Um grupo de coletivos e associações que combatem o racismo tentam impedir que uma manifestação xenófoba, marcada para 3 de fevereiro, aconteça em Lisboa. A carta aberta intitulada “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio” é assinada por mais de sete mil pessoas e coletivos. O documento foi enviado esta quinta-feira ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa, ao presidente do Tribunal Constitucional, José João Abrantes, autoridades na área de imigração e membros do Governo, como o José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, e outros.
O conjunto exige que “ todos os responsáveis políticos e institucionais façam cumprir o artigo 13.º da Constituição, o princípio da igualdade, e acionem os mecanismos processuais para que se aplique o artigo 240.º do Código Penal, relativo à discriminação e incitamento ao ódio e à violência”. O objetivo é mesmo travar a saída da manifestação, que terá local na rua do Benformoso, no bairro Martim Moniz, onde mora um grande número de imigrantes de origem asiática. O evento “constitui-se como incitamento ao ódio e à violência e não mero exercício da liberdade de expressão”, pontuam.
O artigo 240º, na versão atual, versa sobre discriminação e incitamento ao ódio e à violência. A pena prevista é de seis meses a cinco anos de prisão. É crime “Fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda que incitem ou encorajem à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas em razão da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem, religião, língua, sexo (...). É punido igualmente quem “Participar nas organizações referidas na alínea anterior, nas atividades por elas empreendidas ou lhes prestar assistência, incluindo o seu financiamento”.
Os subscritores pretendem “defender a segurança de todas as pessoas imigrantes em Portugal, combater o racismo, a xenofobia, a hostilidade religiosa e o crescimento do discurso de ódio a que temos vindo a assistir, particularmente vindo de partidos e movimentos de extrema-direita”. Para o grupo, é necessário “dar um sinal inequívoco e público de que atos e organizações sociais, políticas e partidárias racistas e xenófobas são inaceitáveis e queremos demonstrar a nossa solidariedade para com as vítimas de todos os ataques de ódio em Portugal”.
A iniciativa é um conjunto de organizações de todo o país e de várias áreas, como a Kilombo, AfriCandé, Renovar a Mouraria, Cidadãos Por Lisboa, Andorinha, Companhia Católica, Frente Anti Racista, Greve Climática Estudantil, Rede 8 de Março, SOS Racismo, entre outras.
A carta elenca uma série de episódios racistas e xenófobos registados no país recentemente. É o caso de agressões em Olhão contra grupos de imigrantes em janeiro do ano passado, que levou o presidente da república a ir pessoalmente pedir desculpas à uma das vítimas. Na ocasião, o chefe de estado também declarou que “não há nada que justifique esse tipo de tratamento desumano, antidemocrático e criminoso, que não pode ser aceite na sociedade portuguesa”.
É também lembrado o homicídio do cidadão indiano Gurpreet Singh, em Setúbal, morto com um tiro no peito enquanto estava em casa. Um caso que chegou a ser noticiado como tendo motivações rcistas mas que, segundo fonte da PJ disse ao DN, nao ter elementos que o comprovem.
“Até agora, a PJ não possui indícios de motivação racista no crime”, garantiu fonte desta polícia judicial ao DN.
Os tiros também atingiram um outro morador. A arma foi deixada no local e dois suspeitos de nacionalidade portuguesa foram presos um mês depois.
São elencados ainda as situações de exploração de imigrantes e o caso de sete militares da GNR serem acusados de 33 crimes relacionados com maus-tratos a estrangeiros em Odemira. É citada também “uma campanha de desinformação e ódio, em especial nas redes sociais”, em que fala-se de “invasão, insegurança, ódio religioso e da necessidade de mostrar que estão a mais e não são bem-vindos”. O grupo afirma que “as ruas de Portugal são cada vez menos seguras para as pessoas imigrantes.
A manifestação em causa a 3 de fevereiro é organizada pelo militante neonazi Mário Machado, já condenado mais de uma vez por incitamento ao ódio e à violência. Ele conta com apoio de simpatizantes da xenofobia, inclusive com financiamento para a causa. A manifestação prevê o uso de archotes, tochas e parafina líquida, refere a carta e confirmou o DN. Nesta semana foram instalados pelo país faixas e cartazes com frases como “Portugal aos verdadeiros portugueses” e “Stop Islam”. A carta “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio” enviada hoje às autoridades finaliza com a frase “O silêncio das instituições é cúmplice. Não o acompanharemos nem o legitimaremos”.