É preciso ousar soluções para reduzir a tensão entre peões e veículos de duas rodas, que fazem 1,3 milhões de viagens todos os dias em cidades como Londres, diz o especialista em mobilidade urbana, Rikesh Shah, em entrevista. Madrid proibiu mais licenciamentos de trotinetas.
“A mobilidade nas cidades vai passar cada vez mais por veículos de duas rodas e pelo andar a pé, para atingirmos os objetivos climáticos”. Mas é preciso, ao mesmo tempo, “ousar soluções para reduzir a tensão entre bicicletas, trotinetes e peões e colocar a segurança à frente da micromobilidade”. Estas são duas ideias centrais de Rikesh Shah, especialista em inovação e mobilidade urbana, na primeira Mobi Entrevista 2024.
O tema da fricção entre os diferentes meios de mobilidade ativa não podia ser mais atual. No início de setembro, e depois de Paris já o ter feito, Madrid anunciou que vai proibir o licenciamento de trotinetes partilhadas, alegando questões de segurança, estacionamento irregular e funcionamento ilegal.
Rikesh Shah, ex- líder de inovação comercial na Transport for London, considera que a segurança deve ser posta em primeiro lugar, tanto pelas entidades públicas como pelos operadores privados. Mas acredita que afastar os operadores privados também traz riscos. “Já se sente que há menos dinheiro disponível da parte dos privados para investir em micromobilidade”. Mas, lembra, ela vai continuar a ser necessária, se quisermos reduzir a pegada carbónica.
Por isso, o chefe de inovação no Procurement Empowerment Center, da Conected Places Catapult, considera que, antes de esmagar o mercado, “há que fazer um melhor uso dos dados recolhidos e da geolocalização dos veículos para cruzar toda a informação e poder desenhar um uso mais eficiente do espaço público”, ao nível de percursos, mas essencialmente, ao nível de parques de estacionamento para bicicletas e trotinetes. Em suma, é preciso reenquadrar o debate e tentar otimizar o melhor possível o espaço que temos.
“É absolutamente crítico que públicos e privados tenham um tempo para experimentação e depois fazer o balanço”. Shah acredita que já não estamos no tempo da selva, no que às trotinetes partilhadas diz respeito, mas pensa que “as cidades ainda estão a tentar perceber o que funciona e o que funciona menos bem”.
4 milhões de viagens por dia em duas rodas até 2040
Apenas para usar o exemplo da cidade de Londres, o especialista refere que “80% das viagens jã são feitas usando um mix de transporte público, andar a pé e micromobilidade”. Na capital britânica fazem-se atualmente 1,3 milhões de viagens em duas rodas todos os dias, disse. Ora, para atingir as metas ambicionadas para a neutralidade carbónica, “teremos cerca de 4 milhões de viagens por dia quando chegarmos a 2040”. Por isso, para o especialista, não há qualquer dúvida de que em bike ou em trotinete “estes veículos vão ter um papel central nas cidades do futuro”.
Rikesh Shah está convencido que há potencial para que as bicicletas e trotinetes se massifiquem, tanto para a chamada perimeira milha (entre casa e o comboio) como para a última milha (entre o comboio e o emprego/escola). Para isso é necessário reforçar a aposta em vias segregadas e, sobretudo, alargar a oferta para lá dos centros urbanos, permitindo que chegue às periferias.
“Para isso, para reforçar a conectividade, o investimento público é essencial”. Se não fossem os rios de dinheiro “investidos nos últimos 100 anos em transportes públicos não tinhamos hoje as redes de autocarros a irem para zonas perféricas das cidades”, observou.
O especialista defende que isso também tem de acontecer com estes veículos de duas rodas, ainda que não seja tão rentável. Para compensar a menor rentabilidade, considera que os munícipios devem ter incentivos maiores para os operadores que o fizerem, numa lógica de discriminação positiva. A mesma lógica poderia, na sua opinião, ser adotada pelos municípios para compensar os bons comportamentos dos munícipes, que adotam meios de mobilidade ativa e sustentável. Para os operadores de mobilidade, os incentivos também devem estar associados a resultados, defendeu na entrevista no âmbito do Mobi Summit.
Mobilidade ativa é poupar em saúde
O incentivo à mobilidade ativa vai muito além da necessidade de combater as alterações climáticas. Como lembrou Rikesh Shah, “é muito relevante para reduzir doenças, como obsesidade, diabetes, doenças respiratórias e acidentes rodoviários” potencialmente mais fatais. Por essa razão, investir nesta área é, a longo prazo, também um investimento em melhores níveis de saúde para a população, em geral, e uma poupança nos sistemas de saúde.
Para que o maior número de pessoas adira a uma mobilidade mais sustentável, usando tanto o transporte público como a bicicleta, também é preciso facilitar o acesso, seja na bilhética como na intermodalidade. “Às vezes para usar uma bicicleta partilhada e combiná-la com outro modo é quase preciso carregar 20 apps. Mão pode ser, tem de ser mais simplificado o processo”.
No que diz respeito ao papel da micromobilidade aplicada à logística, Rikesh Shah, considera que ainda há potencial de inovação e redistribuição das bikes para outros usos. Por exemplo, “de manhã cedo vemos as bicicicletas e trotinetes das operadoras a serem recolhidas e levadas para os parques de estacionamento, ora, podia tentar-se um incentivo para as pessoas as parquearem nos locais adequados”. Com isso, acredita, podia reduzir-se uma grande parte do desordenamento.
Em jeito de conclusão, o especialista defende que se queremos uma agenda mais sustentável é precisa uma liderança forte e comprometida da parte de quem dirige as cidades.
A entrevista a Rikesh Shah foi conduzida pelos curadores do Portugal Mobi Summit, Paulo Tavares e Charles Landry.