Brasil
22 abril 2024 às 08h55
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Quem é Ronaldo Caiado, o último candidato a herdeiro de Bolsonaro

Governador de Goiás, representante histórico dos grandes latifundiários do Brasil, cuja família foi incluída na “lista suja” do trabalho escravo, já se assume como pré-candidato, com marqueteiro contratado e tudo. 

O que faz o governador de Goiás, discreto estado no centro-oeste do Brasil, numa fotografia ao lado de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel em plena guerra com o Hamas e, talvez, com o Irão? Resposta: faz pré-campanha eleitoral para a presidência do Brasil, em 2026. Ronaldo Caiado (União Brasil) é, para já, o único candidato assumido a herdeiro do espólio eleitoral do inelegível Jair Bolsonaro (PL). Ou seja, é o único candidato assumido a tentar tirar Lula da Silva (PT) do poder logo ao primeiro mandato.

Porque era já Lula, que havia criticado Israel e Netanyahu dias antes, o alvo de Caiado naquela fotografia de 19 de março. Ao conseguir fotografar-se ao lado de um chefe de governo que o bolsonarismo adotou, por oposição à esquerda brasileira tradicionalmente mais próxima da questão palestiniana, o governador de Goiás, de 74 anos, marcou pontos na direita. O senão está do outro lado de Netanyahu na foto: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo pelo Republicanos, estado mais influente e rico do que Goiás, e ainda favorito à corrida à sucessão de Bolsonaro, também foi a Telavive fazer uma espécie de marcação homem a homem a Caiado.

Tarcísio, porém, ainda não se assumiu como candidato porque está no primeiro mandato como governador e a tendência natural na política brasileira é que tente a reeleição estadual. Caiado, pelo contrário, já está no segundo, impedido, portanto, de se recandidatar outra vez e ansioso agora para trocar Goiânia pela vizinha Brasília.       

“Depois de cinco mandatos de deputado federal, senador e governador já em segundo mandato, sinto-me maduro e preparado para colocar o país no rumo certo”, admitiu Caiado, último membro de uma linhagem de produtores rurais com forte presença na política goiana desde meados do século XIX, em entrevista no início do ano à Folha de Pernambuco. À Folha de S. Paulo, semanas depois, acrescentou que o eleitorado dele e o de Bolsonaro não diferem: “a minha trajetória de vida é exatamente no mesmo eleitorado dele”.

No Estado de São Paulo de domingo, 14, admitiu que é “um nome” em “boa posição” para se apresentar “como pré-candidato” pelo seu partido. E o jornal O Globo revelou que Antônio Carlos Magalhães Neto, eminência parda do União Brasil, está disposto a comandar a campanha do companheiro de partido e que já há mesmo marqueteiros contratados para o efeito.

As sondagens

Mas Caiado, que com 39 anos concorreu à presidência nas primeiras eleições pós-ditadura militar, obteve insignificantes 0,68% e apoiou o vencedor Collor de Mello contra Lula na segunda volta, será competitivo? Talvez.

De acordo com sondagem do instituto Genial/Quaest, de 11 de abril, Tarcísio, o seu principal concorrente, tem uma aprovação de 62% em São Paulo. Já Caiado, na mesma pesquisa, é bem avaliado por 86% dos goianos. Outros potenciais herdeiros dos votos bolsonaristas, Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, e Ratinho Junior (PSD), governador do Paraná, pontuam mais do que Tarcísio nos respetivos estados mas não superam Caiado, um fenómeno de popularidade local.  

A história, porém, revela que, depois do citado Collor, que pulou do governo de Alagoas para o governo do Brasil, nenhum dos muitos candidatos governadores à presidência chegou ao Planalto - nem José Serra ou Geraldo Alckmin (ambos de São Paulo), nem Anthony Garotinho (Rio de Janeiro), nem Aécio Neves (Minas Gerais), nem Ciro Gomes (Fortaleza), por exemplo.

Analisemos, então, outra sondagem, esta da Paraná Pesquisas, de 28 de março, que colocou cenários de candidatos de direita contra Lula em 2026. O atual presidente venceria, sempre com resultados na casa dos 36%, todos os rivais testados mas o nome anti-Lula mais competitivo, à frente de Tarcísio, com 23,3%, ou de Caiado, com 7%, é o de Michelle Bolsonaro, ex-primeira-dama, com 30,6%.

Falta saber o que diz o dono do espólio, o próprio Bolsonaro, sobre as intenções de Caiado: o ex-presidente não descarta ungi-lo como sucessor desde que ele assuma o controlo total do União Brasil, partido que recentemente expulsou o presidente e vive em permanente convulsão por resultar de uma fusão, e conceda ao ex-presidente o direito de nomear o candidato a vice, segundo Guilherme Amado, colunista do jornal Metrópoles.

Brigas e escravidão

Até porque a relação de Caiado, médico cirurgião de formação, com Bolsonaro chegou a ser rompida pelo próprio governador de Goiás, em 2020, após o então chefe de Estado considerar a covid-19 uma “gripezinha”. “Tanto na política como na vida, a ignorância não é uma virtude”, reagiu Caiado. “Com a autoridade de governador e de médico, eu afirmo que as declarações do presidente não alcançam o estado de Goiás, as decisões em Goiás serão tomadas por mim, com base no trabalho de técnicos e especialistas”.

Os embates mais acalorados de Caiado durante a longa carreira política, porém, foram, sem surpresa, com a esquerda. No contexto da votação pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016 no Senado, insinuou que Lindbergh Farias, do PT, estava drogado, e foi acusado por Gleisi Hoffmann, hoje presidente do partido de Lula, de estar “na lista suja do trabalho escravo”.

O pecuarista Antônio Ramos Caiado Filho, tio de Caiado, esteve, de facto, entre os 91 incluídos pelo Ministério do Trabalho e Emprego na atualização de 2014 da relação de empregadores com trabalho escravo, a chamada “lista suja”, por submeter quatro pessoas a condições degradantes e a jornadas exaustivas de 19 horas de trabalho na produção de carvão numa das suas fazendas. E Emival Ramos Caiado Filho, primo do pré-candidato, foi incluído em 2022 por confiscar carteiras de trabalho, descontar dos salários dos empregado valores referentes à comida que servia, obrigá-los a jornadas de até 13 horas diárias sem descanso semanal e oferecer como abrigo barracões sem energia elétrica, casas de banho ou camas.