Guerra
14 fevereiro 2024 às 07h10
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Por que a primeira-ministra estónia se tornou num alvo para Putin?

Kaja Kallas foi colocada na lista dos “mais procurados” da Rússia pela destruição de monumentos soviéticos no país Báltico. Tem sido uma das principais vozes em defesa de Kiev.

Há cerca de seis meses, a primeira-ministra estónia, Kaja Kallas, estava debaixo de fogo devido à revelação de que o marido tinha uma participação numa empresa de logística que continuava a fazer negócios com a Rússia. A oposição exigia a sua demissão e questionava os laços com Moscovo e o presidente Vladimir Putin, apesar de ela ser uma das principais vozes de apoio à Ucrânia dentro da União Europeia e da NATO - aliança militar que já manifestou interesse em liderar. Agora, Kallas viu o seu nome ser colocado na lista dos “mais procurados” da Rússia.

O mandado de captura russo contra Kallas - e também contra o seu secretário de Estado, Taimar Peterkop, e dezenas de outros políticos lituanos, letões e polacos - foi emitido devido ao seu papel na demolição de monumentos aos soldados soviéticos mortos durante a II Guerra Mundial, herdados do tempo em que o país era parte da União Soviética. Segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, Kallas é procurada pela “profanação da memória histórica”. Em 2022, o governo estónio resolveu remover estes monumentos, sendo este um crime punido na Rússia com até cinco anos de prisão. 

“A jogada da Rússia não é surpreendente. É mais uma prova de que estou a fazer o correto - o forte apoio da União Europeia à Ucrânia é um sucesso e prejudica a Rússia”, escreveu Kallas na rede social X (antigo Twitter), em reação à notícia, lembrando que a avó e a mãe foram deportadas para a Sibéria após o KGB emitir um mandado de captura contra elas durante a II Guerra Mundial. “O Kremlin espera agora que esta medida ajude a silenciar-me a mim e a outros - mas não o fará. Pelo contrário. Continuarei a dar o meu forte apoio à Ucrânia. Continuarei a defender o aumento da defesa da Europa.”

Filha do antigo primeiro-ministro (janeiro de 2002 a abril de 2003) e comissário europeu durante mais de uma década Siim Kallas, Kaja Kallas tornou-se em janeiro de 2021 na primeira mulher chefe de governo na Estónia. Ex-eurodeputada e líder do Partido Reformista (liberal) desde 2018, chegou ao poder sem eleições após a queda do anterior primeiro-ministro, Jüri Ratas, no meio de um escândalo de tráfico de influências. Em março do ano passado, foi finalmente a votos, tendo ganho as eleições. Atualmente lidera uma coligação com os sociais-democratas de centro-esquerda e os liberais do Estonia 200.

Em agosto do ano passado, rebentou o escândalo referente à participação de quase 25% que o marido, Arvo Hallik, tinha numa empresa de logística que continuou a trabalhar na Rússia - já terá vendido tudo. A primeira-ministra de 46 anos recusou demitir-se e denunciou uma “caça às bruxas” da oposição, dizendo que a empresa tinha atuado só para ajudar um cliente estónio a deixar o mercado russo. 

À frente do executivo, Kallas lidou com a pandemia de covid-19 e com a invasão da Ucrânia, tendo a Estónia sido um dos países que mais apoiaram a Ucrânia - a ajuda será de 1,2 mil milhões de euros até 2027. O apoio militar começou antes do início da guerra, tendo o governo da Estónia sido também dos primeiros a apoiar a candidatura da Ucrânia à União Europeia. Kallas tem defendido o aumento da ajuda militar a Kiev, assim como das sanções contra a Rússia.

A revelação de que Kallas está na lista dos “mais procurados” da Rússia - estará lá desde outubro, mas só ontem se soube - surgiu no mesmo dia em que os serviços de informação da Estónia avisaram que Moscovo se está a preparar para um confronto militar com o Ocidente na próxima década. Algo que pode ser travado, dizem, se a Europa apostar no rearmamento e em responder ao reforço dos contingentes russos junto à fronteira com os países da NATO. Putin já disse que não tem “qualquer interesse” em invadir “a Polónia, a Letónia ou qualquer outro local”. 

Mesmo com essas declarações, os países do Báltico já gastam mais do que 2% do PIB em Defesa e os aliados da NATO reforçaram a presença na região. Kallas tem defendido que a guerra na Ucrânia vai continuar até a Rússia perceber que é impossível ganhar, exortando os aliados a continuarem a apoiar militar e financeiramente Kiev. Em novembro, a primeira-ministra limitou-se a dizer “sim”, quando foi questionada diretamente sobre se gostava de ser tida em conta como sucessora de Jens Stoltenberg à frente da NATO. Este deverá sair em outubro, após dez anos no cargo e vários adiamentos. 

susana.f.salvador@dn.pt