Água
22 janeiro 2024 às 00h03
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Em ano de albufeiras cheias, a Norte rejeita-se a ideia de transvases para Sul: “Não temos água a mais”

Com a chuva que tem caído na região neste outono/inverno, agricultores transmontanos esperam ter a campanha garantida. Mas o problema da água é estrutural em concelhos como Carrazeda de Ansiães, onde ainda em 2022 foi preciso recorrer a autotanques para abastecer a população. “Também há défice hídrico a Norte”

À chegada a Carrazeda de Ansiães, no planalto transmontano, dá-nos as boas-vindas uma chuva miudinha por entre o intenso nevoeiro que dificulta a visão para lá de um palmo de estrada. Este outono/inverno tem sido molhado na região, tal como por todo o Norte de Portugal, com os níveis de precipitação acima da média registada desde 1981, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

A albufeira da Fontelonga, às portas da vila, está quase a transbordar. Assim como as três charcas que Luís Vila Real tem nos seus terrenos para dar de beber aos pomares de macieiras que se estendem por 32 hectares. “Em princípio, a campanha deste ano está garantida, mas é sempre incerto”, diz, cauteloso, recordando como, no ano anterior, um granizo tardio destruiu “mais de 90% da produção”.

Neste concelho que se estende até aos vales do Douro e do Tua, a maçã concorre com o vinho e o azeite entre as culturas mais representativas. Se a vinha e o olival dominam a paisagens dos vales, os pomares concentram-se mais no planalto, a maior altitude, onde está situada a fileira da maçã que dá fama à região.

Luís Vila Real é um dos seus maiores produtores e atualmente presidente da Afuvopa - a associação que congrega os fruticultores, viticultores e olivicultores do planalto de Ansiães. E se hoje a água não é o fator que mais o atormenta, a memória bem recente de anos de seca extrema, como o que assolou a região em 2022, leva-o a não se deixar iludir: a água “é” um problema estrutural que questiona a sobrevivência da cultura da maçã em Carrazeda. Pelo menos, com a importância e dimensão que tem nesta altura, diz. 

As culturas da maçã, do vinho e do azeite representam algo como 25 milhões de euros anuais para o concelho. E se o vinho continua a ser o principal setor económico deste que é um município integrado na Região Demarcada do Douro, a produção de maçã vem logo atrás, com o grande aumento de área de pomares plantados ao longo das últimas décadas e que ajudaram a alterar a paisagem de um planalto anteriormente dominado pelos cereais e pelas culturas forrageiras (para pasto animal). “A cultura das maçãs teve a sua explosão ali nos Anos 1990 e até à primeira década do século XXI foi sendo uma cultura muito rentável”, diz Luís Vila Real.

Agora já não é bem assim. Carrazeda de Ansiães produz entre 25 e 30 mil toneladas de maçã por ano, distribuídas por 800 hectares, se a produção não for afetada pela falta de água ou por intempéries como a de granizo na última Primavera - a vinha ocupa quase 3000 hectares e o olival cerca de 2000 na área agrícola do concelho. Luís tem 32 hectares, neste momento, embora esteja a reconverter uma parte mais antiga que, garante, já não vai replantar.

Luís Vila Real, presidente da Afuvopa e um dos maiores produtores de maças em Carrazeda de Ansiães
Foto Leonel de Castro / Global Imagens

As razões são “várias”, diz ao DN. “Os preços dos fatores de produção dispararam de tal forma que já não se torna rentável. Principalmente a mão-de-obra, que está completamente descontrolada. É pouca, má e cara. E as alterações climáticas, aqui, também estão a passar uma fatura muito pesada, desde os fenómenos climatéricos extremos, como o granizo, à falta de água, que é dramática nos anos cada vez mais frequentes de seca.”

Em 2022, os longos meses sem chuva levaram mesmo a problemas de abastecimento de água à população durante o verão, com a autarquia a recorrer a autotanques para fazer o transporte de água desde o Rio Tua, de forma a assegurar os níveis necessários para o consumo público.
João Gonçalves, presidente da autarquia, sabe bem como foi difícil garantir que a vila não ficasse à míngua. “Tivemos de criar um plano de contingência a partir de maio”. Além da sensibilização da população, para poupar nos consumos domésticos, a autarquia, o principal consumidor de água urbana no concelho, deixou de regar jardins e outros espaços públicos, além de ter recorrido a uma albufeira de fora do concelho para abastecer as piscinas descobertas que são um atrativo de verão.

Nem assim evitou ter de ir buscar água ao Tua para reforçar a albufeira local, Fontelonga, hoje quase a transbordar, mas que nem há dois anos estava em volume morto. “Estamos a falar de uma pequena albufeira construída já em princípios da década de 1980. Quando cheia não tem mais de uns 900 mil metros cúbicos. Se tivermos dois anos de seca juntos, como tivemos antes de 2022, é certo que podemos contar com problemas”, refere.

“Também há stress hídrico a Norte”

Por isso, tanto o autarca transmontano quanto o presidente da Afuvopa torcem o nariz quando ouvem os pedidos de transferência de água da bacia do Douro para o Sul do país. 

Em Carrazeda de Ansiães, o excesso de água a Norte é uma ideia sem sentido quando alguns dos últimos anos têm sido marcados pela dificuldade em abastecer culturas e população. Sobretudo quando ainda falta capacidade para reter as águas das chuvas em anos de invernos mais molhados, como o atual, sem se ver ainda no terreno a tão desejada nova barragem do concelho, em fase final de plano.

“Não vejo que o Norte tenha água a mais”, reforça Luís Vila Real, sublinhando que “não foram criadas estruturas hídricas que permitam armazenamento de água que realmente fosse excedente nas culturas praticadas aqui na região”. Além disso, reforça, “o Sul do país está a sofrer um fenómeno que é o avanço do clima do Norte de África e uma desertificação quase inevitável que requer outras adaptações”. E aponta às “culturas superintensivas de olival e amendoal que estão a sorver a água do Alqueva”, bem como as estufas de frutos vermelhos no Mira ou as plantações de abacate no Algarve, tudo culturas “que requerem muita água o ano todo”.

Charcas privadas que sustentam a rega nos 32 hectares de pomares que são propriedade de Luís Vila Real.
Foto Leonel de Castro / Global Imagens

Rui Cortes, especialista em recursos hídricos e professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), também reprova a ideia de transvases. Não só essas infraestruturas “implicam investimentos muito elevados, que aumentariam umas cinco vezes o custo da água”, como “são trágicas em termos de ambiente e ordenamento do território”, diz ao DN. “Temos de preservar os ecossistemas aquáticos e a sua qualidade”, refere o também membro do Conselho Nacional da Água e do movimento de defesa da bacia hidrográfica do Douro ‘MovRioDouro’, lembrando que a diretiva-quadro da água (o principal instrumento da política da União Europeia relativa à Água) é “contrária à ideia de transvases, porque isso implica precisamente uma degradação ambiental”.

Hoje já se fazem desvios de água da zona da Barragem do Sabugal (Douro) para a Barragem da Meimoa (Tejo), para o aproveitamento hidroagrícola da Cova da Beira, “mas são transferências limitadas, nada a ver com o que se reclama agora”. 

Além disso, aponta o investigador, estas transferências de água promovem “tensões sociais e regionais” que podem ser difíceis de gerir. E dá o exemplo espanhol do transvase Tejo-Segura, iniciado há mais de 40 anos, que tem gerado cada vez mais protestos dos agricultores do Tejo de onde é retirada a água para alimentar as hortas e o turismo massivo do Levante espanhol (Múrcia, Alicante) - o que levou o Governo espanhol a anunciar já uma redução de 40% nestas transferências a partir de 2027.

O docente da UTAD concorda que este ano tem chovido “mais do que a média” no Norte do país, o que permite ter, nesta altura, a maioria das albufeiras da Bacia do Douro cheias ou quase cheias. Segundo o último boletim de monitorização disponibilizado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), datado de 8 de janeiro, a bacia hidrográfica do Douro tinha um armazenamento superior a 90% nas respetivas albufeiras, ligeiramente acima da média da época.

Boletim de monitorização das albufeiras, da Agência Portuguesa do Ambiente, datado de 8 de janeiro

Olhando para outro boletim de monitorização, da Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural, cuja última versão tem a data 12 de janeiro, as reservas hídricas a Norte (do Minho a Trás-os-Montes) chegaram mesmo a estar, no último mês de novembro, ligeiramente acima da média dos anos considerados como húmidos, o que não se verificou em mais nenhuma parte do país.

À medida que vamos descendo para Sul, vai baixando também significativamente o nível de água retido - 70,7% na Bacia do Mondego, 79,4% na do Tejo, 70,5% na do Guadiana - até entrar em zona crítica no Algarve, onde o Sotavento tem apenas 29,1% da sua capacidade de reserva e o Barlavento uns dramáticos 7,8%, mostra o boletim da APA. Ainda assim, apontando para os totais de água retida e não para as médias relativas à capacidade de armazenamento, há mais água disponível nas bacias do Guadiana (3236 hectómetros cúbicos, quase todos no Alqueva) e do Tejo (2191hm3) do que na do Douro (2039 hm3).

Rui Cortes lembra que “a fragilidade não é exclusiva do Sul do país” e que “ainda em 2022 tivemos escassez hídrica em todo o país”. A título de exemplo, acrescenta, “a albufeira do Alto Lindoso, na zona mais pluviosa do país [Alto Minho], chegou a estar a apenas 17%” e “em Trás-os-Montes, muitas populações tiveram de ser abastecidas por autotanque no verão”. Ou seja, reforça, “também há um stress hídrico acentuado no Norte e no Centro”.

A importância económica do regadio

Um stress que é mais evidente nas zonas economicamente dependentes do regadio. Como é o caso do mais famoso vale transmontano, o Vale da Vilariça, vizinho do planalto de Ansiães e que abrange os concelhos de Vila Flor, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo. Deste, que é um dos mais férteis vales do país, sai uma variedade imensa de hortícolas, leguminosas e frutícolas que abastecem os mercados nacionais. Os pêssegos, as laranjas, o azeite e o vinho são os mais famosos produtos de uma região com um microclima ótimo para estas culturas.

Também aqui a campanha de rega para este ano está assegurada, prevê Fernando Brás, presidente da associação de regantes do Vale da Vilariça: “Temos duas albufeiras à cota máxima e uma a 90%.” A preocupação é gerir bem a água, diz. 

“Nunca sabemos como vai ser a época seguinte. Com as alterações climáticas, tem havido anos em que começamos a regar em fevereiro e às vezes prolonga-se mesmo até novembro.”

O regadio “é fundamental” e a sua importância, sublinha, “vai muito para além dos três concelhos do vale”. Por isso, há planos em marcha para aumentar a capacidade de armazenamento da água, tendo já sido lançado o concurso para a construção de uma nova barragem em Vila Flor. As barragens atuais -  Santa Justa, Ribeiro Grande e Arco, Burga e Salgueiro - “foram projetadas já nos Anos 60, 70 e 80 do século passado”, aponta Fernando Brás. “Agora as necessidades são diferentes”, com o crescimento das culturas de regadio. Por isso, e ressalvando que compreende “a situação dos outros”, mais a Sul, onde a água se tornou quase uma miragem nos últimos tempos, Fernando Brás defende que “a região tem de se preocupar primeiro em satisfazer as suas necessidades” antes de discutir a possibilidade de transferir água para outras paragens.

Voltamos a Carrazeda de Ansiães, onde o presidente da Câmara está “totalmente tranquilo” quanto à disponibilidade de água para o próximo verão, seja para o abastecimento à população seja para a campanha agrícola. Mas não deixa de pensar em como seria bem melhor se já fosse realidade um projeto que ainda não saiu do papel e que, diz, é “fundamental” para o futuro do concelho: a nova barragem pensada para o Lugar da Veiga, um vale às portas da vila e não muito longe da albufeira já existente.

Vale do Lugar da Veiga, ondem irá nascer a nova albufeira dedicada ao armazenamento de água para regadio em Carrazeda de Ansiães.
Foto Leonel de Castro / Global Imagens

Se a infraestrutura - que está agora “na fase final de estudos”, prestes a iniciar o projeto de execução - estivesse já instalada, muita da abundante água que tem caído neste outono/inverno “poderia ser retida e não desperdiçada”, aumentando as reservas disponíveis para os anos de seca. A nova albufeira terá capacidade para cerca de três milhões de metros cúbicos, o triplo da capacidade da Fontelonga, e está pensada para “satisfazer a necessidade do regadio”, mas também para que possa, “em alturas críticas de seca, reforçar a albufeira de Fontelonga no abastecimento público”, refere o autarca, eleito pelo PSD.

Atualmente não há nenhuma albufeira destinada à atividade agrícola em Carrazeda. Esta é alimentada pelos humores do clima e “pelas charcas individuais de cada produtor”. A nova reserva de água “será importante não só para manter a fileira das maçãs, uma atividade económica importante no concelho, mas também porque permitirá desenvolver outro tipo de produção agrícola, com maior competitividade, o que pode ajudar a atrair e fixar jovens agricultores na região”, diz João Gonçalves.

Reconverter a paisagem

Os pomares de maçãs são especialmente exigentes no consumo de água. Mais do que a vinha ou o olival. Nas suas propriedades, que se estendem por 32 hectares, Luís Vila Real faz as contas a “10 mil litros por hectare e por hora” no período de rega, que se estende normalmente de maio a setembro. “Se regar duas a três horas por dia, durante cinco meses, são 96 mil litros por dia ao longo de 150 dias”. É muita água. 
“Tenho capacidade se as três charcas que tenho estiverem cheias, como acontece este ano. Mas muitas vezes não é assim e se nós não tivermos uma reserva significativa de água no início da campanha fica logo comprometida a qualidade da produção”, assevera.

A água é fundamental para a quantidade e para a qualidade da maçã da região, onde se destacam as Golden, a “rainha” de Carrazeda, mas também as Royal Gala, Fuji, Jeromine e outras variedades.  “Com menos água diminui a quantidade, porque diminui o calibre, o tamanho da fruta é menor. E também perde qualidade porque com menos teor de água fica uma fruta mais seca, não é tão crocante, não adquire as qualidades organoléticas que se espera de um produto de alta qualidade como o que nós produzimos aqui”, explica o presidente da Afuvopa, destacando as características que sobressaem nas maçãs do planalto de Ansiães: uma dureza, doçura e aroma próprios da produção a uma determinada altitude, a rondar os 800 metros. 

“Sobretudo aquelas de cotas mais elevadas têm uma firmeza bastante grande, grau de conservação bastante elevado e depois ganham uma coloração rosada devido à amplitude térmica que ocorre na altura da apanha, com um bocadinho de calor durante o dia e um arrefecimento brusco durante a noite.”

Trabalhadores na poda das macieiras.
Foto Leonel de Castro / Global Imagens

Ora, nos anos em que os céus são bem menos generosos do que neste, como tem acontecido com mais frequência com as alterações climáticas, as consequências podem ser dramáticas. “Em 2022 e em anos anteriores, chegámos a abril ou maio sem água e tivemos de nos socorrer de furos subterrâneos. Estive cinco meses consecutivos a tirar águas de furos 24 horas por dia, o que é insuportável. Sobretudo quando utilizamos fontes de energia como o gasóleo para usar geradores, o que torna a despesa brutal”, aponta o fruticultor.

“Nós temos de regar logo a partir do momento da floração, para garantir que a produção seja regular. Se começamos a gastar a água em fevereiro e depois não há mais abastecimento, fica complicado, porque temos de gastar antecipadamente água que nos vai fazer falta a partir do verão, meses críticos em que a temperatura chega a ultrapassar os 40 graus aqui na região.” Nesses anos de seca, Luís conta à partida com quebras de, “pelo menos, um terço da produção”.

As incertezas em relação aos custos dos diversos fatores de produção, que se estendem da água até à mão-de-obra (“a jorna subiu de 25 euros em 2010 para 60 euros hoje”, desabafa), levam Luís Vila Real a temer pelo futuro do cluster  da maçã em Carrazeda. Ele próprio já está a começar a reconverter uma parte significativa dos terrenos. A médio prazo, planeia manter “apenas 15 hectares” para a maçã, nas cotas mais elevadas.

O futuro pode passar pelo olival, diz, que não precisa de “tanta água” e começa a funcionar melhor em cotas mais elevadas, devido ao aumento das temperaturas sentidas nas encostas. “É uma tendência por força das alterações climáticas”, constata. 

E o olival tem uma outra particularidade que lhe confere vantagem: permite a mecanização de quase todo o processo produtivo, já que a apanha “pode fazer-se com um toldo mecânico, não é preciso ter 30, 40, 50 pessoas, como chego a ter aí na época da apanha da maçã, dois a três meses consecutivos”.

O investigador Rui Cortes lembra que “a agricultura é a responsável pela grande maioria do consumo de água em Portugal, com 77%”. E o caminho, diz, não pode passar por construir mais barragens que “provocam degradação da qualidade das águas” e são ainda importantes emissores de gases, como dióxido de carbono e metano. A única opção é “despertar para uma agricultura minimamente sustentável”, sublinha. De Norte a Sul: “Estamos a ter vinha, olival, amendoal irrigados. A cultura de sequeiro está a desaparecer e o regadio é insustentável.”

Em Carrazeda de Ansiães, o presidente da Afuvopa não aceita esse fado. Ali, “toda a reconversão depende e dependerá sempre do regadio”, defende. “Seja para plantar olival, pereira ou outra coisa qualquer. Caso contrário, não vale a pena”, assegura. “Eu percebo as preocupações, também tento ter práticas o mais amigas do ambiente possíveis. Mas é muito bonito falar das culturas autóctones e do sequeiro, só que, na prática, isso não é rentável. Não produz. Eu desafio alguém a vir fazer essas culturas e a viver disso. Como é que se vai alimentar o país depois? Vai-se voltar à pobreza? Ou importa-se tudo? Isso também não é ambientalmente sustentável.” 

Entrevista

“Não podemos voltar aos tempos de uma agricultura de subsistência”

João Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães.

Autarca transmontano defende o regadio como sustento económico da região. Nova albufeira permitirá também reforçar o abastecimento à população.

Autarca João Gonçalves junto à albufeira da Fontelonga
Foto Leonel de Castro / Global Imagens

Com toda a chuva que tem caído neste outono/inverno está tranquilo em relação às necessidades de água no concelho para o próximo verão?
Sim. Com os níveis de água existentes na albufeira, estou completamente tranquilo sobre o abastecimento à população para o resto do ano. E os produtores também têm as charcas cheias para esta campanha agrícola.

Na memória local ainda está a seca de 2022, que teve forte impacto, com a necessidade de recorrer a autotanques para abastecer a população a partir de água do Tua. O concelho está hoje mais bem preparado para anos de escassez hídrica ou, estruturalmente, a água continua a ser um problema?  Já fizemos alguns trabalhos para aumentar a eficiência hídrica, como substituir a principal conduta de transporte de água desde a estação de tratamento até à vila, que estava num estado degradado e levava a muitas perdas de água. Mas continua a ser um problema estrutural do concelho. Nós temos hoje uma pequena albufeira construída já em princípios da década de 1980 que, se estiver cheia como agora, terá uns 900 mil metros cúbicos. Se tivermos um período prolongado de seca, como em 2022, podemos contar com problemas. Aliado a isso, temos aqui no concelho uma agricultura muito dependente do regadio. Os produtores têm investido em charcas, mas isso tem vindo a manifestar-se insuficiente para conseguirem ser competitivos.

A barragem existente é exclusivamente para abastecimento à população, mas têm um projeto para uma nova no lugar da Veiga, junto à vila, para servir o regadio. Como está o projeto? 
Estamos na fase final de estudos. Já temos uma Declaração de Impacte Ambiental favorável e assim que tivermos o Recape (Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução) podemos avançar para a fase seguinte e iniciar o projeto de execução. São sempre coisas um pouco incertas, em termos de timing, mas tinha o objetivo de a barragem ser uma realidade nos próximos cinco anos. A barragem servirá o regadio, mas em alturas críticas poderá também reforçar o abastecimento à população, minimizando os problemas em anos de seca.

Vários especialistas têm manifestado a oposição à construção de mais barragens e ao aumento da prática de regadio. A dependência do regadio não vai agravar os problemas de água do concelho?
Não podemos voltar aos tempos da agricultura de subsistência. Queremos ter uma agricultura competitiva, que permita a fixação de população ativa e que esta possa desenvolver a sua atividade económica, tirando proveitos disso. Gerar mais-valia nestes territórios. É disso que estamos a falar, dos territórios continuarem a ser competitivos. Se não, estaremos mais uma vez a contribuir para a sua desertificação e despovoamento.

Como encara os pedidos de autoestradas de água para Sul, para combater a seca nessa região?
Se vamos por aí também temos de pensar nos espanhóis, que também queriam fazer mais transvases a partir de Portugal, e nomeadamente a partir do Alqueva, ali para a Andaluzia. Se calhar os nossos colegas algarvios não estarão tão interessados nisso. Se pensarmos a longo prazo, com as alterações climáticas, é óbvio que vamos ter os problemas a subir de Sul para Norte. O clima vai evoluir nesse sentido. E, do que tenho ouvido falar aos especialistas na matéria, esses transvases não são assim tão fáceis de implementar. Além dos custos enormes, levantam problemas a nível ecológico, de equilíbrios hídricos... é um processo complexo.

rui.frias@dn.pt