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Internacional
07 setembro 2024 às 00h03
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Brasil. Dia da Independência terá duas celebrações rivais

Na cerimónia oficial estarão Lula da Silva e o juiz que mandou fechar o X no país enquanto Jair Bolsonaro, com a ajuda de Elon Musk, convoca para ato paralelo. “A maior polarização da história”, sentencia politólogo.

O Brasil pode festejar a independência neste sábado, 7 de setembro, mas, 202 anos após o grito do Ipiranga de D. Pedro IV (D. Pedro I, no Brasil), não celebra, certamente, a unidade: em Brasília, haverá a cerimónia oficial conduzida pelo presidente Lula da Silva com a presença das autoridades, incluindo Alexandre de Moraes, o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) que mandou fechar a rede social X por descumprimento da lei, e, em São Paulo, uma manifestação paralela com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro e promovida, entre outros, por Elon Musk, o dono daquela plataforma.

Polarizado desde, pelo menos, 2018, o Brasil está ainda mais dividido depois de nas últimas semanas Moraes, apoiado pelos pares no STF, ter decidido encerrar a atividade do X até que a empresa bloqueie perfis considerados antidemocráticos, o que Musk chamou de censura. Por isso, Lula fez questão de convidar pessoalmente Moraes para a celebração na Praça dos Três Poderes. E, também por isso, o juiz será o principal alvo da manifestação de bolsonaristas convocada por, entre outros, o próprio magnata para a Avenida Paulista, à mesma hora.   

“O Brasil nunca esteve tão polarizado, o clima atual supera o do golpe militar de 1964”, diz ao DN Paulo Ramírez, politólogo e professor de sociologia da Escola Superior de Propaganda e Marketing. “Esta polarização severa começou em 2018, com a eleição do suposto candidato antissistema Bolsonaro, que fez ameaças permanentes à democracia, sobretudo ao STF, aumentou em 2022, quando ele não aceitou o resultado das urnas, e subiu de tom em 8 de janeiro de 2023, quando ele e militares tiveram participação numa tentativa de golpe”.

“É uma polarização mais entre democracia e autoritarismo do que entre direita e esquerda porque Lula não foi eleito apenas por ser de esquerda mas por ser democrata, ao ponto de empresários que aplaudiam a sua prisão ficarem a seu lado na eleição”, completa. 

As redes sociais, entretanto, estimularam essa polarização, segundo Ramírez, “ao dar voz a grupos antidemocráticos antes excluídos mas favorecidos pelo algoritmo, porque as redes privilegiam discursos emotivos”. E é aqui que entra Elon Musk. “A compra do X pelo Musk é considerado um dos piores negócios do século, resta à rede, por isso, as visualizações e partilhas de publicações antidemocráticas, de notícias falsas que põem em causa as instituições, de teorias conspiratórias e de estímulo a atos, como este, o que move Musk, portanto, não é a liberdade de expressão mas questões económicas”.

Nos últimos dias, o magnata tem partilhado convocatórias de perfis bolsonaristas para o ato de São Paulo. Ao post “o povo marchará, protestando contra o autoritarismo judicial e defendendo a liberdade de expressão”, Musk reagiu com bandeirinhas do Brasil.

Noutra publicação, o multimilionário usou um emoji de fogo num texto que pedia a presença no ato contra Moraes e, pelo meio, partilhou uma foto sua ao lado de Bolsonaro.

Embora o ataque ao juiz do STF seja o assunto que aglutina os bolsonaristas, o tema oficial do 7 de setembro da Paulista é a amnistia para os presos dos ataques de 8 de janeiro. “De nada vale falarmos em independência se nós não temos liberdade, queremos dar um recado para o Brasil e para o mundo do que nós estamos sofrendo aqui e de que nós queremos amnistia política para os presos políticos”, disse Bolsonaro em vídeo.

Na manifestação devem estar governadores, incluindo Tarcísio de Freitas, de São Paulo, provável candidato do campo bolsonarista à presidência em 2026, três candidatos de direita à prefeitura de São Paulo nas municipais de outubro e o pastor evangélico Silas Malafaia, promotor de outro ato, em fevereiro.

Nesse ato, um grupo de estudo da Universidade de São Paulo contabilizou 180 mil participantes. O deputado Eduardo Bolsonaro, entretanto, prevê que este 7 de setembro seja “a maior manifestação já vista” em torno do pai.

Noutro 7 de setembro, o de 2021, Bolsonaro, então presidente, chamou Moraes de “canalha” para depois pedir ao antecessor Michel Temer para redigir uma carta a quatro mãos a pedir desculpa ao juiz. E no de 2022 ficou célebre a celebração dos 200 anos da independência em que puxou o grito “imbrochável, imbrochável” [alguém que nunca falha o ato sexual, no calão local], perante Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal.

Em Brasília, por sua vez, Lula e a primeira-dama Janja da Silva desfilarão no Rolls Royce presidencial durante uma celebração cívico-militar sob o slogan “Democracia e Independência - é o Brasil no Rumo Certo” que terá três eixos: destacar a importância estratégica do G20 em novembro no Rio de Janeiro, o apoio do governo à reconstrução do Rio Grande do Sul, afetado em maio por enchentes, e a retomada de campanhas de vacinação e a ampliação dos serviços de saúde.

Na 10.ª vez que Lula comemora como presidente o 7 de setembro desfilarão atletas olímpicos e estudantes da rede pública de ensino, com mensagens de combate à fome, à pobreza e à desigualdade.