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Sociedade
12 agosto 2024 às 08h34
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“É um negócio.” Atendimento via ação judicial com advogado passou a ser regra. Agência nega

Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) desmente que só seja possível obter agendamento por via judicial. Segundo a entidade, mais de 200 mil atendimentos já foram realizados e outros 46 mil estão marcados.

Seu título de residência não chegou em 90 dias? Entre com uma ação judicial e receba”; “Manifestação de interesse sem resposta? É possível interpor ação judicial”; “Como conseguir um agendamento na AIMA? A única maneira é por meio de ação no tribunal”. Estes são alguns dos anúncios que abundam nas redes sociais, especialmente no Instagram, divulgados por advogados. Nos últimos meses, conseguir garantidamente um atendimento na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) é caso de justiça: diariamente, o Tribunal Administrativo defere ordens que obrigam a agência a atender em questão de dias os pedidos dos utentes, seja um agendamento em tempo recorde ou uma vaga de reagrupamento familiar, por exemplo.

Números obtidos pelo DN mostram que mais de 3600 processos administrativos estavam pendentes no mês passado. Antes da entrada em férias judiciais, os juízes, voluntariamente, decidiram que continuariam a atender com caráter de urgência este tipos de processos, por considerarem que as matérias relacionadas com imigração fazem parte da “defesa dos direitos fundamentais”. Também declaram que há um “acentuado e atípico dos litígios emergentes” na matéria. Desde 16 de julho, 136 juízes atuam alternadamente em regime de piquete nas causas, que continuam diariamente a ter decisões favoráveis aos imigrantes.

O resultado costuma ser rápidas: não passam das 72 horas, espaço de tempo muito diferente do de quem espera até três anos para obter um título de residência. O problema é que nem todos os imigrantes têm dinheiro para avançar com o processo judicial, só possível com aconselhamento jurídico. Apesar de alguns advogados trabalharem casos pro bono, o DN sabe que os valores são mais que um ordenado mínimo e rondam os mil euros, sendo que alguns cobram até mais pelo serviço.

A situação é motivo de críticas de associações de imigrantes. “Virou um negócio”, disse Timóteo Macedo, da associação SOLIM, em reunião recente com outras associações de imigrantes. Funcionários da AIMA, sob condição de anonimato, admitem ao DN que “passam o dia a ler acórdãos e a responder a ações judiciais”. O trabalho, muitas vezes, é realizado por mediadores culturais, deslocados para estas funções que hoje “predominam” na agência.

Vários advogados confirmaram ao DN que o único caminho atual para obter um agendamento é por via judicial. “Conseguir um agendamento para comparecer à AIMA de forma administrativa é praticamente impossível. Isto porque a estrutura foi toda redirecionada para dar resposta e atender as demandas judiciais dos cidadãos que decidiram entrar com o pedido via Tribunal Administrativo”, detalha o advogado André Lima.

Mas há profissionais da área preocupados com este caminho. “A alta demanda de processos nos tribunais administrativos devido à ineficiência da AIMA em cumprir os prazos estabelecidos pode ter diversos impactos negativos, como a sobrecarga dos tribunais e a insegurança jurídica”, analisa Thiago Soares.

Juliet Cristino, brasileira que luta pelos direitos dos imigrantes, vê a situação como “desigual” e “desumano”. Amanhã vai levar o tema até ao Ministério da Presidência, numa reunião agendada para tratar deste e de outros assuntos relacionados com os imigrantes em Portugal. “São processos administrativos, não precisava contratar advogado para isso”, diz ao DN. Juliet com frequência tenta realizar agendamentos na AIMA e garante: “É só com advogado, nada de telefone, nada de e-mail, somente judicial.”

AIMA nega

Ao DN, Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem do Advogados (OA), afirma que “a judicialização destes procedimentos, a acontecer, é prejudicial para os cidadãos/ãs”. A OA defende que a “resposta atempada dos serviços públicos é uma obrigação do Estado e impor aos cidadãos o recurso à via judicial quando esta não é, nem deve ser, a primeira linha de resposta não deveria ser o caminho escolhido”, argumenta. A bastonária teme que os tribunais fiquem “entupidos” com estes processos e lembra que os serviços já estão sobrecarregados.

Há também a preocupação com os cidadãos sem acesso a aconselhamento jurídico. Sobre os altos honorários cobrados pelos profissionais, Fernanda de Almeida Pinheiro destaca que “não existem tabelas de valores mínimos ou máximos”, sendo que os advogados são livres para cobrar os valores que bem entenderem. O estatuto da entidade estabelece que os profissionais devem levar em conta a “dificuldade e a urgência do assunto, o grau de criatividade intelectual da sua prestação, o resultado obtido, o tempo despendido, as responsabilidades por ele assumidas e os demais usos profissionais”.

Já a AIMA nega que só seja possível obter um agendamento por via judicial. “As ações que correm termos em tribunal incidem essencialmente sobre autorizações de residência para investimento e manifestações de interesse, existindo mais serviços prestados pela AIMA para além destes, logo alheios a estas ações e igualmente com marcação”, respondeu ao DN. 

A agência também avança números: foram realizados cerca de 200 mil agendamentos desde o início das atividades até 8 de agosto, uma média de aproximadamente 20 mil casos mensais. Para os próximos meses estão marcados mais 46 mil atendimentos, além dos 109 mil relacionados com novo procedimento de aceleração das manifestações de interesse entregues pelos imigrantes até abril do ano passado.

A AIMA ainda sublinha que, dos 200 mil atendimentos, em cerca de 20 mil, o equivalente a 10%, houve falta dos utentes nas marcações. “Uma situação que a AIMA está a analisar mais detalhadamente, pois as ausências destes requerentes inviabilizam assim outros agendamentos e a resolução desses mesmos casos por situação totalmente alheia à AIMA”, destaca.

amanda.lima@dn.pt