Banco de Portugal
14 dezembro 2024 às 07h00
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Governo ainda tem de cortar mais despesa ou aumentar receita para não violar Pacto europeu

“Na ausência de novas medidas para conter despesa ou aumentar receita, será difícil alcançar o objetivo de crescimento da despesa líquida definido no plano de médio prazo, colocando em risco o cumprimento das regras europeias”, alerta o Banco de Portugal, governado por Mário Centeno.

As contas públicas portuguesas devem voltar a ser deficitárias em 2025 e boa parte deste deslize, agora detetado pelo Banco de Portugal (BdP), exige que o governo tenha de encontrar novas medidas para reduzir despesa ou aumentar receita (ou ambas) para "compensar" o desvio, num valor que pode ir de 1,1 mil milhões a 2,1 mil milhões de euros, a única maneira de evitar a violação das novas regras orçamentais europeias ditadas pelo Pacto de Estabilidade revisto e que começa a ser aplicado a partir de 2025, inclusive.

De acordo com o novo boletim económico do BdP, ontem apresentado em Lisboa pelo governador Mário Centeno, o novo indicador de referência para disciplinar as contas públicas, a variação da despesa líquida, que emerge do Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025) aprovado no final de novembro viola de forma clara o teto definido pela Comissão Europeia (CE).

O indicador em causa também fura o limite, um pouco mais dilatado, mas assumido como adequado pelo governo no Programa Orçamental-Estrutural de Médio Prazo (POEN) entretanto enviado a Bruxelas, ainda em outubro, pelo ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento.

De acordo com o estudo do banco central, os maiores contributos para esta derrapagem vêm das "despesas com pessoal", que sobem 2.119 milhões de euros, onde constam despesas novas que decorrem das "revisões das carreiras da função pública", no valor de 473 milhões, diz o BdP.

Ainda no acréscimo de despesa, o Banco aponte para a subida de 2.339 milhões de euros na rubrica "pensões e outras prestações sociais", onde destaca o custo adicional e permanente do "aumento de 1,25% nas pensões" proposto e ganho pelo PS (mais 265 milhões de euros em 2025) e a "expansão do Complemento Solidário para Idosos (CSI)", que implica um gasto adicional de 120 milhões.

A despesa com "consumos intermédios", que também é tida em conta no cálculo do novo indicador da despesa líquida do Pacto, sobe 868 milhões de euros.

A despesa associada aos empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) também aparece e contribui com mais 722 milhões de euros previstos em 2025, segundo o estudo do banco central.

Do outro lado do balanço, o ano de 2025 será bem marcado pelas "medidas discricionárias da receita", avaliadas em 932 milhões de euros de quebra, entre elas as reduções previstas na carga de impostos como IRS (menos 840 milhões de euros), IRC (menos 130 milhões), IVA (menos 110 milhões), a que soma ainda a "eliminação de portagens em algumas SCUT [autoestradas]", outra medida do PS, que reduz a receita do próximo ano em 108 milhões de euros, calcula o BdP.

Centeno explicou que as alterações feitas em sede de OE 2025 e, antes disso, em votações separadas no Parlamento, devem gerar um acréscimo total da referida despesa líquida na ordem dos 6.669 milhões de euros, valor que excede em quase 2.093 mil milhões de euros o teto de referência exigido pela Comissão, que estabelece um aumento anual máximo de 4.576 milhões de euros entre 2024 e 2025.

Dois cenários, dois excessos

Na conferência de imprensa, o governador mostrou que só as rubricas relativas a salários e pensões/apoios sociais "esgotam" a totalidade da margem definida pela Comissão Europeia para o ano de 2025.

Num cenário menos mau, assumindo o aumento dessa despesa previsto pelas Finanças no POEN, na ordem de 5.594 milhões de euros, significa, diz o banco central, que continua a haver um excesso.

Neste caso, serão 1.075 mil milhões de euros a mais que têm de ser "compensados".

Em ambos os casos, diz o Banco de Portugal, o governo vai ter de agir e encontrar novas medidas ou alterar algumas que já estejam em vigor para reduzir despesa ou aumentar receita (ou ambas), "compensando" o desvio na trajetória combinada, seja este 2.093 mil milhões de euros (face à fasquia da CE) ou 1.075 mil milhões de euros (face à referência proposta pelo governo, que também garante o cumprimento no novo Pacto, segundo a tuetal de Miranda Sarmento).

"As projeções do Banco de Portugal sinalizam um risco de incumprimento, tanto em termos anuais como acumulados", mas no que a 2025 diz respeito, é preciso "atuar" de forma expedita e "decisiva", avisou Centeno.

"Na ausência de novas medidas para conter despesa ou aumentar receita, será difícil alcançar o objetivo de crescimento da despesa líquida definido no plano de médio prazo, colocando em risco o cumprimento das regras europeias", remata o Banco de Portugal.

Regresso aos défices

Como referido, as contas públicas portuguesas vão voltar a ser deficitárias nos próximos três anos, interrompendo assim dois anos de excedentes em 2023 e 2024, prevê o Banco de Portugal. Ainda assim, uma nota positiva: a trajetória de descida do rácio da dívida deve acelerar, caindo bem mais rápido do que prevê o Governo PSD-CDS, mostra o novo boletim económico.

"As projeções orçamentais apontam para o regresso a uma situação deficitária, embora o rácio da dívida pública mantenha uma trajetória descendente, atingindo 81,3% do PIB [Produto Interno Bruto] em 2027", indica o novo estudo sobre o que se pode esperar da economia e do País nos próximos três anos.

Depois de dois anos de excedentes (1,2% do PIB em 2023 e 0,6% este ano, ou seja, mais até do que os 0,4% estimados pelo ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento), o banco central de Centeno antecipa que "o saldo orçamental deve deteriorar-se em 2025, para -0,1% do PIB".

O Banco de Portugal acrescenta que "nos anos seguintes, continuam a projetar-se défices, em resultado das medidas permanentes já adotadas — com impacto na despesa pública e na receita fiscal —, dos empréstimos do PRR previstos para 2026 e, a partir de 2027, do aumento de despesa para assegurar a continuidade dos projetos financiados pelo PRR".

Na proposta inicial do Orçamento do Estado para 2025, o governo e o ministro Sarmento previam alcançar um excedente de 0,3% do PIB no próximo ano.

No entanto, como se sabe, o OE 2025 acabou por ser bastante modificado no curso das negociações entre Governo e oposição, sobretudo o PS, e das votações parlamentares, fazendo aumentar muito mais o valor de certas rubricas da despesa, como pensões e salários. E assim aparece agora o défice de 0,1% em 2025, previsto pelo BdP.

Há a questão do regresso aos défices, mas o outro indicador crucial para avaliar o desempenho das contas públicas, a dívida, até deve cair mais do que espera Miranda Sarmento, mesmo com o efeito dos empréstimos do PRR (que fazem aumentar o endividamento nacional).

Entre 2024 e 2025, o governo prevê que a dívida caia de 95,9% do PIB para 93,3%, mas o BdP antecipa uma redução muito superior, de 91,2% para 86,5% do PIB, respetivamente.

No entanto, diz o BdP, "esta diminuição [no peso da dívida pública] abranda ao longo do período projetado, refletindo a deterioração das condições orçamentais e o menor contributo do crescimento económico nominal".

O Banco explica que "face às estimativas incluídas no OE 2025 e no plano orçamental de médio prazo, projeta-se uma redução mais acentuada do rácio da dívida, essencialmente devido à hipótese de ajustamentos défice-dívida nulos".

Segundo o Conselho das Finanças Públicas (CFP), "o ajustamento défice-dívida corresponde à variação do stock de dívida pública que não resulta do défice/excedente orçamental".

Economia e desemprego resistem, mas investimento trava com fim do PRR

Apesar de riscos e ameaças cada vez maiores, sobretudo na envolvente externa, a instituição de Centeno prevê, para já, que a economia até ande com um pouco de mais força do que dizem as Finanças.

De acordo com a nota do BdP, "a economia portuguesa cresce 1,7% este ano, 2,2% em 2025 e 2026, e 1,7% em 2027, mantendo a trajetória de convergência com a área do euro".

A inflação também alivia, "reduz-se para 2,6% em 2024 e 2,1% em 2025", estabilizando em 2% nos dois anos seguintes.

Segundo o BdP, o maior crescimento da atividade está sustentado "sobretudo pelo consumo privado" em 2024.

Já em 2025 e 2026, o ritmo da atividade "reflete a melhoria das condições financeiras e a aceleração da procura externa, mas também a orientação expansionista e pró-cíclica da política orçamental".

"Em 2027, a desaceleração do PIB decorre, sobretudo, do impacto do fim da execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)", diz o boletim.

"O mercado de trabalho continua robusto, com aumentos do emprego e dos salários reais, a par da manutenção de um desemprego historicamente baixo", taxa que se manterá inalterada em 6,4% da população ativa até 2027.

O Banco repara ainda que "em 2024, o rendimento disponível real regista um aumento historicamente elevado (7,1%), que se traduz na aceleração do consumo privado e num aumento marcado da poupança", mas depois deve "abrandar em 2025–27, em resultado do menor crescimento dos salários e do emprego, com reflexos no consumo".

A taxa de poupança dos portugueses, que se ficará em cerca de 11,5% do rendimento disponível este ano, "estabiliza ligeiramente acima de 11% até 2027", diz o BdP.

"O investimento recupera em 2025–26 devido à melhoria das condições financeiras e das perspetivas globais e o estímulo dos fundos europeus, mas trava em 2027 com o fim do PRR".

"As exportações devem crescer 3,9% em 2024 e 3,2%, em média, em 2025–27, num contexto de aceleração da procura externa, menor dinamismo do turismo e ganhos de quota progressivamente menores", espera o banco central nacional.