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Cultura
22 setembro 2024 às 00h02
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San Sebastián. Um festival sob o feitiço da nova Emmanuelle

O DN está na 72ª edição do Festival de San Sebastián. O certame arrancou esta sexta-feira com 'Emmanuelle', de Audrey Diwan, a versão com ponto de vista feminino do clássico soft-porn dos anos 70. Segue-se 'On Falling', de Laura Carreira, boa primeira obra de um novíssimo cinema português…

Arrancou esta sexta-feria mais uma edição do Festival de San Sebastián, o maior da Península Ibérica. E arrancou com um filme para polarizar, o novo de Audrey Diwan, a cineasta de O Acontecimento, Leão de Ouro de Veneza 2021, Emmannuelle, nova leitura sobre o clássico de 1970, mas agora com a perspetiva feminina (a realizadora dirá feminista).

Um conto erótico passado nos nossos dias que acaba inteligentemente por dar a volta ao que se espera de cenas “quentes”. Uma epopeia sobre o prazer feminino centrado numa viagem de uma francesa ao Oriente. Neste caso, na Hong Kong dos nossos dias e quase tudo no interior de um hotel de cinco estrelas, hotel esse cujos luxos (e as luxúrias) vão ser passadas a pente fino por esta nova Emmanuelle, encarregue de encontrar falhas, a bem de uma deliberação do grupo que a contrata. E, nesta vistoria, Emannuelle será confrontada com os seus fantasmas de solidão e a sua necessidade de se soltar, nem que para isso tenha de entrar num ménage-a-trois ou sucumbir aos charmes de uma estudante de literatura (ou será uma escort girl?) no SPA… 

Emmanuelle, o desejo e a tristeza…

O desejo feminino filmado por uma mulher

Audrey Diwan, com a ajuda de Rebecca Zlotowski, realizadora que assina também o argumento, está mais interessada em questões de poder. Poder feminino…Ao contrário do filme anterior, preocupa-se mais com a forma do que com a substância. Dir-se-ia que é um filme de esteta, sobretudo na forma como aborda as questões da sensualidade feminina, como se fosse um enorme cardápio sobre essa questão premente da representação da sexualidade em cinema. O que é isso de filmar o desejo? Será que o desejo das personagens deve contaminar a libido de quem o vê? As respostas não são claras, algo que não compromete a visão. Afinal, a aragem de thriller proporciona isso mesmo. Aqui, o primordial, é a palavra mistério.

O desejo como fonte de mistério na história desta mulher que se vê presa nas aspirações de carreira. E aí é mesmo significativo o peso da inquietação dos sentidos: ela excita-se porque pode realmente estar à procura de uma libertação, tão interior como exterior. Esta Emmanuelle está à procura do risco. Ou de sair de uma prisão dourada (o luxo é filmado num ângulo de gaiola dourada e esse fascínio torna-se parte da proposta, mesmo quando em determinadas alturas o hedonismo das imagens possa ferir).

Noémie Merlant não é Sylvia Kristel nem o quer ser, mas é uma Emmauelle mais do que competente num objeto que às vezes cai na ratoeira do politicamente correto destes tempos de cultura woke, um pouco como se estivéssemos numa comissão de coordenadores de intimidade (todas as cenas de sexo foram meticulosamente coreografadas por um reputado coordenador). Futebol basco ao barulho

No arranque do festival destaque ainda para Los Williams, de Raúl de la Fuente, documental sobre os irmãos do Atlético de Bilbau, os futebolistas Iñaki Williams e Nico Williams, craques de nível global com sangue ganês. Assemelha-se a um vídeo promocional de um canal de equipa de futebol (não é por acaso que nas imagens de arquivo temos o logo do Athetic…), ainda para mais com alguma fórmula de documentário Netflix ou Prime Video. Mas, por outro lado, o realizador, sabe juntar bem os dois irmãos e criar um elo humano nesta história de refugiados que triunfam na Europa, sobretudo pela viagem ao Gana onde se conta o relato da epopeia de migração dos pais e a forma como foram aceites no País Basco. Ajuda, evidentemente, gostar de futebol…Eis um filme perto dos nossos tempos: no seu último terço relata a conquista de Nico no último Euro na Alemanha. 

Vem aí On Falling

Nesta luta pela Concha de Ouro, ao longo da semana, há ainda que realçar uma co-produção luso-espanhola, Tardes de Soledad, de Albert Serra, com produção de Joaquim Sapinho, Conclave, de Edward Berger, com Ralph Fiennes já apontado ao Óscar, e On Falling , de Laura Carreira, com uma espantosa Joana Santos.

Rui Pedro Tendinha, em San Sebastian