Alemanha
01 setembro 2024 às 00h46
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Pessimismo alemão a leste converte-se em votos à extrema-direita

Os eleitores de duas regiões da antiga RDA vão este domingo às urnas no que se antecipa como uma noite amarga para o Governo do chanceler Olaf Scholz, com a extrema-direita da AfD a capitalizar o descontentamento e o sentimento contra a migração, uma semana depois do ataque em Solingen, sendo o suspeito um sírio.

As eleições na Turíngia e na Saxónia realizam-se apenas uma semana depois de três pessoas terem sido esfaqueadas até à morte na cidade ocidental de Solingen, sendo o suspeito um requerente de asilo sírio, num ataque reclamado pelo Estado Islâmico, que chocou a Alemanha e alimentou um debate sobre a imigração. Segundo as sondagens, o partido de extrema-direita e anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD) vai ser o mais votado na Turíngia, com cerca de 30%, enquanto na Saxónia disputa o primeiro lugar com os democratas-cristãos da CDU.

É improvável que a AfD chegue ao poder em qualquer um dos estados, mesmo que ganhe, uma vez que os outros partidos excluíram a possibilidade de colaborar para formar uma maioria. Mas o resultado seria uma humilhante derrota para os sociais-democratas de Olaf Scholz e para os outros partidos da coligação governamental: os Verdes e o liberal FDP, que se preparam para as Eleições Nacionais do próximo ano. Em ambas as regiões, o SPD de Scholz regista cerca de 6% das intenções de voto.
Uma terceira região da antiga Alemanha de Leste, Brandemburgo, também deverá realizar eleições no final de setembro, com a AfD no topo das sondagens.

A situação em cada estado é ligeiramente diferente, mas “em qualquer caso, é claro que a AfD vai reunir um número muito forte de votos”, disse à AFP Marianne Kneuer, professora de Política na Universidade de Tecnologia de Dresden (TU Dresden). A AfD é especialmente forte na antiga Alemanha de Leste comunista, em parte “porque tem um núcleo de eleitores que se identificam com as suas posições nacionalistas e autoritárias”, segundo Kneuer.

Na relativamente próspera cidade de Zwickau, a incerteza económica e uma história turbulenta conjugaram-se para impulsionar o apoio à extrema-direita antes de umas Eleições Regionais importantes. “As pessoas têm medo de perder tudo o que construíram ao longo dos anos”, disse a presidente da Câmara, Constance Arndt, eleita numa lista independente. Para compreender por que é que “o ambiente é tão mau” antes das eleições no estado da Saxónia, é preciso “talvez mergulhar no passado”, sugeriu. Os habitantes de Zwickau “atingiram um certo nível de prosperidade”, depois de um período de doloroso declínio após a reunificação alemã em 1990, disse. A cidade deve o seu renascimento, em parte, ao seu estatuto de centro de produção automóvel, sendo a Volkswagen um dos principais empregadores da região. Mas as crises recentes, desde a pandemia à guerra na Ucrânia e à inflação elevada, desencadearam um renovado “medo de perder”, disse Arndt, de 47 anos. Como resultado, alguns vão votar na AfD “como forma de protesto”, acrescentou a autarca da cidade de cerca de 90 mil habitantes.

Um cartaz no centro de Dresden, na Saxónia, do partido regional Aliança Alemanha, onde se lê "Estado livre em vez de califado". O sentimento contra a imigração, em especial de países muçulmanos, intensifica-se. RALF HIRSCHBERGER / AFP

No início de junho, a AfD venceu as eleições autárquicas e tornou-se o maior grupo de eleitos locais de Zwickau. Embora o partido não tenha obtido uma maioria, a presidente da câmara prevê que as discussões no conselho se tornem mais difíceis, nomeadamente no que diz respeito ao financiamento da cultura. Segundo o assistente social Joerg Banitz, a AfD encontrou terreno fértil numa cidade com uma cena extremista de direita ativa. Foi em Zwickau que os três membros da célula neonazi NSU, que assassinaram nove pessoas de origem imigrante entre 2000 e 2007, se esconderam da polícia durante anos. Wolfgang Wetzel, vereador de Zwickau pelos Verdes, disse que muitos habitantes locais se sentem desorientados num mundo cada vez mais complexo. E numa região que viveu dois regimes autoritários consecutivos, o nazismo e depois o comunismo, há um ressurgimento da “nostalgia da simplicidade da ditadura, onde não é preciso tomar decisões”, o que beneficia a extrema-direita, disse Wetzel.

Com as suas novas e reluzentes habitações, dezenas de estaleiros de construção e um centro urbano movimentado, Jena representa a nova face da ex-RDA. “As regiões da antiga Alemanha de Leste participam agora plenamente no sucesso e na força da nossa economia”, declarou o chanceler Olaf Scholz em campanha na cidade. Os problemas económicos e o sentimento geral de desfavorecimento são citados como as razões pelas quais o apoio à AfD é elevado na Alemanha Oriental, outrora comunista.
A AfD emergiu como o maior partido da Alemanha de Leste nas eleições de junho para o Parlamento Europeu. Mas, na verdade, as regiões da antiga Alemanha de Leste têm acumulado uma série de dados económicos positivos nos últimos anos, com o investimento a aumentar e o desemprego a diminuir. “Nos últimos 10 anos, o crescimento tem sido superior à média nacional”, disse à AFP Axel Lindner, investigador do instituto económico IWH Halle. Jena, o polo económico da Turíngia, é um centro especializado no domínio da ótica, com um cenário de startups  florescente e universidades de renome. Na vizinha Saxónia, Dresden tornou-se um centro da indústria de semicondutores.

O PIB da Alemanha de Leste crescerá 1,1% este ano, quase três vezes mais do que a média nacional, segundo o instituto económico IFO, enquanto o desemprego desceu de 11,6% em 2013 para 7,8% em 2023. A economia alemã em geral estagnou nos últimos 12 meses, em parte devido à sua dependência das exportações, mas a economia do leste do país, dominada por empresas familiares e serviços, aguentou-se bem. A Alemanha de Leste foi também escolhida como local de implantação de grandes projetos industriais, como a fábrica de carros elétricos da Tesla em Brandemburgo. Em parte graças a esta fábrica, esta região que circunda Berlim cresceu 2,1% no ano passado, enquanto o país em geral entrou em recessão. Os rendimentos e a riqueza continuam a ser mais baixos no leste, mas o fosso está a diminuir: em 2022, os salários no leste da Alemanha correspondiam a cerca de 91% dos salários no oeste, em comparação com 80% em 2015. 

No entanto, a situação é diferente nas zonas rurais da região, onde o êxodo maciço de trabalhadores e o envelhecimento da população conduziram a um persistente sentimento de pessimismo. Segundo um estudo do instituto de investigação económica IW, de Colónia, a diminuição da população nas zonas rurais pode ser a causa do elevado número de votos de protesto na região. “Há uma correlação entre o declínio da população e o pessimismo dos habitantes”, alimentado por um sentimento de privação e pelo desaparecimento dos serviços públicos, disse à AFP Matthias Diermeier, autor do estudo. A redução da imigração exigida pelo AfD pode piorar este problema e prejudicar a economia, agravando a crescente escassez de trabalhadores qualificados. Até 2030, a população em idade ativa nas regiões orientais da Alemanha deverá diminuir em 800 mil pessoas, de acordo com as estimativas do Governo.