Balanço
16 novembro 2024 às 07h00
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Web Summit. O que atrai os participantes à cimeira tecnológica?

O DN esteve na Web Summit na última semana e procurou perceber se a feira de tecnologia justifica os recursos e o tempo investidos pelos participantes. Este ano estiveram presentes mais de 71 mil pessoas de mais de 153 países. Para Paddy Cosgrave, o evento é sobre “ligar pessoas a ideias”.

Há quase uma década que a Web Summit transforma Lisboa numa montra de startups para investidores e curiosos, e num megafone para governantes e figuras públicas, nas primeiras semanas de novembro. As primeiras edições geraram um buzz incontornável num país onde os unicórnios [empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares] eram mito. O panorama social, económico e empresarial do país tem-se alterado, mas a feira de Paddy Cosgrave nunca escapou à dúvida: o que se retira da Web Summit, ainda valerá a pena ir lá?

“A Web Summit é sobre ligar pessoas e ideias”, afirmou aos jornalistas o fundador e presidente executivo da Web Summit, Paddy Cosgrave, durante o evento, garantindo que a cimeira tecnológica “desempenhou algum papel”, na última década, na transformação de Lisboa - hoje há na capital pelo menos um hub criativo (no Beato) e uma fábrica de unicórnios (em Marvila).

“Só quem não experiencia todo este dinamismo e esta vibração que se sente nos jovens empreendedores que estão aqui é que não percebe o impacto e a importância que a Web Summit tem”, defendeu o diretor executivo da Startup Portugal, António Dias Martins, ao Diário de Notícias (DN), à margem do anúncio da startup “mais promissora” deste ano.

É natural Cosgrave e Dias Martins realçarem a importância da cimeira. O primeiro lidera um negócio de organização deste tipo de eventos na Europa, nas Américas e na Ásia, e o segundo ocupa um cargo que, por definição, deve defender as todas as oportunidades que surgem para o ecossistema empreendedor nacional se mostrar.

Também é natural que uma das maiores feiras de tecnologia da Europa influencie os números do turismo, em Lisboa, por estes dias, da hotelaria à restauração. E o evento tem pertinência para quem quer mostrar o negócio a potenciais investidores e clientes.

A edição deste ano contou com stands e expositores de 3050 empresas e startups, além de áreas dedicadas a 62 delegações empresariais de 36 países. No total, estiveram presentes 71528 participantes, oriundos de 153 países. Mas que benefício retira quem foi apenas como mero espetador, sem uma empresa para representar, uma ideia para anunciar ou um negócio para vender?

Tiago Araújo esteve este ano na Web Summit pela primeira vez. Formado em engenharia informática, e com currículo na programação, trabalha atualmente na Minsait, que pertence ao grupo espanhol Indra, em soluções de storage e backup. Viajou desde Viatodos, Barcelos, até à capital, mas não para representar a empresa. Usou dias de férias para estar na Web Summit a título pessoal.

Em conversa com o DN, disse ser um “amante de tecnologia, desde gadgets a software” e explicou que queria conhecer o evento do qual “sempre ouviu falar”, referindo que conseguiu um bilhete a um “preço fixe”. O preço de um bilhete para a Web Summit pode ascender a várias centenas de euros. “Estou aqui pelo meu projeto pessoal, de criador de conteúdos, onde mostro sobretudo consolas de retrogaming”.

Tiago Araújo é também um consultor de tecnologia. Nas redes sociais apresenta-se como o “informadorhitech” e partilha informações sobre produtos tecnológicos e serviços digitais, podendo intermediar compras ou apenas divulgar dicas sobre promoções ou novidades que escapam ao radar dos mais leigos. Tem ganho destaque, sobretudo, pela divulgação de consolas modernas preparadas para correr videojogos das antigas máquinas arcade dos cafés e salas de jogos ou de consolas que já não se fabricam. “É um mercado que tem crescido muito nos últimos anos”, comentou.

Vir à Web Summit serviu não só para conhecer o evento como para perceber por onde poderá expandir o seu projeto pessoal, segundo contou. Assistiu a palestras sobre inteligência artificial (IA), que considera ser “o presente e o futuro”, mas o que mais fez foi “contactos”, com seguidores (a partir do momento em que mostrou nas redes sociais que estava no evento), com startups e com empresas.

“Já estive com empresas portuguesas, incluindo da área dos jogos retro. Foram contactos interessantes, eles produzem jogos e falámos no sentido de criar conteúdo para promover jogos deles, enquanto eu teria a oportunidade de testá-los nas consolas com que trabalho”, relatou. O “informadorhitech” referia-se à Redcatpig Studio e à I Made a Bug Game Studio.

“Foi muito interessante esse networking, mais focado no meu projeto pessoal”, acrescentou.

Valeu a pena? “Como não vim representar uma empresa, sou uma pessoa normal aqui no meio, é acima de tudo interessante perceber os meandros, como é que as coisas acontecem. Para uma pessoa curiosa poderá não ser tão interessante nessa ótica, mas acho que acaba por ser importante para quem vem com um objetivo, com uma ideia de investimento ou de promoção do negócio”, respondeu. Tiago Araújo, no entanto, considerou que “ter o conhecimento e o networking” da Web Summit “é uma aprendizagem, acima de tudo, que pode levar para o emprego também”.

A advogada Luísa Maria Oliveira também esteve na Web Summit este ano pela primeira vez. Veio de Soure, Coimbra, descobrir o evento e “ver quais são as tendências na área da tecnologia, do digital, da IA”, uma vez que a área de prática incide sobre os negócios digitais, “desde a implementação até à criação de conteúdo, incluindo direitos de autor, direitos de imagem”.

Colabora, ainda, com a Creators Agency, agência de criadores de conteúdos digitais, e também usa as redes sociais para alargar o âmbito da sua profissão enquanto “advogada digital”. Por isso, estar na cimeira de Paddy Cosgrave fez sentido para advogada.

“Nada melhor do que saber quais são as tendências de uma área que ainda tem pouca legislação e em que tudo é novo. Esta parte do direito está em constante evolução e é importante estar no centro de tudo para perceber como funciona”, comentou.

E a experiência compensou “totalmente”, segundo contou. Além do networking, garantiu sair da capital “extremamente satisfeita” por perceber nas diferentes palestras que “a lei e a regulamentação sobre serviços digitais e a IA deixou de ser uma coisa mal vista para se tornar essencial para tudo ser mais seguro, sobretudo para os utilizadores”. Notou também ter sentido “que há sensibilidade” das grandes tecnológicas para o tema.

Realçando que o ponto de discussão sobre a IA vai no sentido de “será que vai destruir ou será que é uma mais-valia”, revelou que regressa a Soure “com muita informação e conhecimento para ajudar clientes”.

Luísa Maria Oliveira e Tiago Araújo são dois casos que se cruzaram com o DN, mas haverá mais e a experiência dos mais de 71 mil participantes dependeu dos objetivos com que chegaram à Web Summit, que pode ser apresentada como uma feira no sentido em que se trocam ideias e vendem-se negócios como mercadorias indispensáveis para a atual geração de empresários e empreendedores.

“Quem vem à Web Summit consegue contactar diretamente com pessoas vindas de todos os cantos do mundo. Para quem tem startups, estiveram aqui mais de mil investidores. Se cada um dos participantes tentasse sozinho fazer contactos com estas pessoas demoraria meses ou anos, se conseguisse chegar até estas pessoas. Só por isso a Web Summit tem um valor enorme. Por outro lado, estiveram aqui potenciais clientes. E as grandes empresas também cá estiveram a ver e a comprar produtos e serviços. Tudo concentrado nestes dias, e se calhar na semana anterior e na semana a seguir em eventos paralelos, à distância de um contacto informal, que caracteriza muito esta geração de empreendedores, na forma de se aproximarem e fazer negócio. É evidente e claríssimo o valor que isto traz, o valor que acrescenta ao país e à economia”, argumentou António Dias Martins, que está à frente da Startup Portugal.

Para o gestor, a Web Summit é uma janela de oportunidades. E, embora “não seja possível apresentar resultados imediatamente”, o importante é perceber como nos meses subsequentes os participantes, por um lado, conseguem incorporar os contactos feitos e o conhecimento retirado nas suas atividades e como as startups, por outro, “acabam por ter reconhecimento da comunidade investidora e como podem retirar proveito disso”.

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