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Sociedade
13 novembro 2024 às 00h00
Leitura: 14 min

Faltam 1100 novos técnicos no INEM. Sindicato quer que formação passe para escolas médicas ou politécnicos

Ministra esteve seis horas a responder aos deputados da Comissão Parlamentar da Saúde. A governante fez um “mea culpa” pelo que “correu menos bem” na greve do INEM, dando a entender que sairá se forem apuradas responsabilidades nas mortes suspeitas por falta de socorro. Depois, visitou técnicos na sede do instituto.

O INEM tem neste momento 724 técnicos, faltam-lhe 762 para atingir o número ideal (1486), embora  este tenha sido definido há mais de uma década e em função das necessidades da população da altura, assumem os próprios técnicos de emergência. Ou seja, para as necessidades de hoje “seria preciso juntarmos a este número, pelo menos, mais 350 técnicos”, defendem. O que quer dizer que, para o INEM funcionar adequadamente, seriam precisos 1112 novos técnicos.

A questão é que a formação é dada pelo INEM que, nesta fase, e com a escassez de recursos, só tem “capacidade para formar cerca de 200 pessoas por ano”, assumem o vice-presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH), Rui Cruz, e o presidente da Associação Nacional dos Técnicos de Emergência Médica (ANTEM), Paulo Paço.

A este ritmo, e feitas as contas, seriam precisos, pelo menos, cinco anos até se alcançar esse número. Por isso mesmo, as estruturas representantes dos técnicos já pediram à ministra da Saúde que acelere o processo da formação, propondo mesmo que esta passe para as escolas médicas ou para os institutos Politécnicos espalhados pelo país. Rui Cruz justifica a proposta: “Os técnicos que estão a dar formação são necessários no atendimento do CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) ou no terreno a socorrer pessoas”. Paulo Paço assume que a reivindicação é antiga, concordando que “a formação pode ser feita pela academia, embora sempre com a supervisão do INEM”.

Na Comissão Parlamentar da Saúde de ontem - que deveria ter debatido o OE2025, mas que foi marcada pela crise no INEM, fazendo com que a ministra, acompanhada pelas duas secretárias de Estado, tivesse de  responder às perguntas dos deputados durante quase seis horas -, Ana Paula Martins admitiu que o conjunto de técnicos do INEM poderá evoluir para “um corpo de profissionais mais diferenciado, como os paramédicos”.

Mas, para isso, o próprio estatuto do INEM tem de ser alterado, para “passar a ser um instituto mais regulador do que formador ou prestador”.
Porém, para os técnicos que a ouviram é “urgente que se resolva esta questão a par da das grelhas salariais”, sustentou Rui Cruz. “O STEPH propôs à tutela, assim que esta tomou posse, que a formação fosse dada pelas escolas médicas e se, fosse necessário para acelerar uma solução, envolver também os institutos politécnicos, disseminados pelo país”, sublinhando ainda que o sindicato até sabe que há bom “acolhimento da parte da academia e até da Ordem dos Médicos para esta solução”.

O vice-presidente desta estrutura é muito claro: “Se conseguirmos implementar um sistema que forme mais rapidamente os técnicos necessários, teremos garantidamente recursos humanos frescos na rua bem mais rápido do que aquilo que temos atualmente. E a emergência médica estaria a ganhar eficácia.”

Recorde-se que em agosto deste ano, o INEM abriu concurso para formar cerca de 200 candidatos, mas se abrir “mais 200 vagas em janeiro, como foi dito pelo presidente do INEM, na semana passada, não terá capacidade para formar 400 pessoas em simultâneo”, esclarece Paulo Paço. “Mesmo a formação das 200 pessoas que entraram em agosto vai ser feita em módulos separados, sendo  estas divididas em dois grupos de 100 elementos, primeiro fazem uns um módulo, depois fazem os outros. Se tivermos em conta que o curso tem 910 horas e se  estas  forem dadas todas ininterruptamente, seriam precisos seis meses. E depois há a parte prática”. 

Aliás, destaca, “por aquilo que temos visto, provavelmente, os formandos selecionados em agosto, assim que tiverem o módulo de atendimento no CODU, passarão a fazê-lo”.


Formação vai ser discutida nas negociações com técnicos


O DN sabe que a ministra Ana Paula Martins aceitou discutir a formação durante as negociações que vão ser iniciadas com os técnicos do INEM. Rui Cruz reforça que esta é uma das questões urgentes, porque ,“se nada for feito, dentro de um mês ou dois estaremos de novo com um pico de afluência de chamadas e sem capacidade de resposta”.

O dirigente sindical relembra mesmo que “o mapa das necessidades de técnicos do INEM no país, traçado ainda pelo ministro do PS, Correia de Campos, não está sequer terminado, porque não se conseguiu colocar todos os técnicos necessários em todas as localidades do país”.

Por exemplo, há regiões, como “o Algarve, Trás-os-Montes e o Alentejo, que ainda têm dificuldades muito sérias em relação aos meios do INEM. Até podem ter lá alguns operacionais, a questão é que, em certas regiões, sempre que uma pessoa sofre um AVC tem de ir para o hospital de uma grande cidade. E uma coisa é prestar este tipo de socorro a uma pessoa em Lisboa ou no Porto, outra é prestar este socorro a uma pessoa que tem de ser transportada do Alentejo para a capital de helicóptero ou numa viatura médica. Isto representa uma ocupação de meios e de tempo extraordinária, criando dificuldades muito grandes quando há falta de técnicos”, explica.

Agora, tanto Rui Cruz como Paulo Paço acreditam que algo pode mudar. Têm mesmo a esperança de que “sejam encontradas soluções para os [seus] problemas o mais rapidamente possível”. E, salvaguardam, que “não basta anunciar números e abrir concursos para termos mais pessoas. Estas têm de ser selecionadas e formadas e isto leva tempo e retira tempo aos técnicos, que poderiam estar no terreno”, refere Rui Cruz.

Aliás, dizem, a formação é dos temas que necessita da “intervenção urgente por parte do Governo”, já que ao longo dos últimos mandatos dos Governos PS tal nunca foi entendido. Rui Cruz conta ao DN que “só no último mandato do PS, o STEPH foi à Assembleia da República quatro vezes para ser ouvido na Comissão Parlamentar da Saúde sobre todos os problemas e fez duas rondas por todos os partidos com assento parlamentar, também para falar da mesma situação. E não houve qualquer tipo de reação. Ninguém fez nada”.

É isto que os técnicos mais apontam ao poder político, o terem ignorado “todos os sinais”. “Quando os técnicos denunciavam alguma situação ou problemas justificavam que era porque ‘havia um pico de chamadas’”, refere.

Visita para assumir “olhos nos olhos um compromisso”

Nestes anos,  mais de uma década, como têm dito o STEPH e a ANTEM, o INEM perdeu cerca de 500 técnicos, agora tudo depende da atitude que este Governo quiser assumir. Na verdade, dizem, e por isso elogiam Ana Paula Martins, embora o impacto tenha sido brutal, foi a “única governante que assinou, a 7 de novembro, um um protocolo negocial”, que levou à suspensão imediata da greve às horas extraordinárias e que marcou, para dia 22, o início das negociações.

Na visita que realizou na tarde de ontem ao INEM, Ana Paula Martins disse aos jornalistas que o motivo para ali ir era apenas o de “estar perto das pessoas e assim poder assumir, olhos nos olhos, um compromisso”. Tal como fez durante a manhã no Parlamento, a ministra disse que ela e a sua equipa “lamentavam  profundamente tudo o que aconteceu”, referindo que o ministério já está a trabalhar para solucionar algumas das questões que levaram o INEM a esta crise.

Ou seja, em cima da mesa das negociações vão estar questões que envolvam o equilíbrio entre o lado profissional e pessoal dos trabalhadores, questões que têm a ver com a avaliação dos técnicos e até com a possibilidade de se estender aos médicos que ali trabalham o regime de dedicação plena aplicado aos médicos do SNS. Outras medidas deste género vão ser igualmente pensadas para o grupo dos enfermeiros e até dos psicólogos e farmacêuticos que integram a estrutura do INEM. Por agora, a ministra disse que o valor da hora extraordinária para os trabalhadores do INEM já foi aumentado.

Os jornalistas questionaram ainda Ana Paula Martins sobre os serviços mínimos tentando perceber se estes tinham ou não sido decretados e se havia, de facto, um grupo de trabalhadores que não os teria cumprido. Mas a governante escusou-se a mais questões, referindo que tinha pedido à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) um inquérito para esclarecer tudo. 

No final, fez saber que o INEM passa a estar na sua dependência direta, devido ao alarme social causado na última semana, destacando que o importante “é dizer às pessoas que podem confiar no trabalho dos técnicos do INEM e que quando ligarem o 112 têm uma equipa qualificada a atendê-los”.


“Não fujo, não minto e não me escondo”

De manhã, no Parlamento, a titular da pasta da Saúde já havia informado os deputados de que a IGAS estava a investigar a possibilidade de os serviços mínimos não terem sido respeitados, por ter tido a informação da existência de um turno de oito horas onde não teria sido possível assegurá-los por falta de pessoal nas escalas. 

A  situação levou o deputado  Rui Cristina, do Chega, a perguntar-lhe se se demitiria se vierem a ser apuradas responsabilidades no caso das 11 mortes suspeitas por falta de socorro. Ana Paula Martins disse-lhe que saberá “interpretar os resultados da investigação da IGAS”. 

“Se efetivamente houver responsabilidades que a ministra da Saúde entenda que poderiam ter sido evitadas, pode ter a certeza de que saberei interpretar esses resultados. Essa é a garantia que pode ter da minha parte”, assegurou, dando a entender que se demitirá.

Ao PS, e depois de ter sido acusada pelo deputado João Paulo Correia de ter mentido, disse: “Não fujo, não minto e não me escondo.” Antes argumentara que, para ela, “a ética da governação assenta na resolução dos problemas e não em comentários” no espaço público.

Na sessão paramentar Ana Paula Martins assumiu que a reorganização dos Serviços de Urgência e de Emergência são “a maior prioridade” para o Governo e que está disposta a recolher dos deputados todas as propostas para “melhorar o caminho escolhido e determinado pelo Programa do Governo”, embora a crise no INEM já tenha levado quase todos os partidos parlamentares a  pedirem a sua demissão. 

No final do dia ficou a saber-se que o INEM não cumpriu mesmo os serviços mínimos. Após reunião com a ministra,  o presidente Sérgio Dias Janeiro disse que “foi impossível cumprir estes serviços durante a greve, ao não conseguir obter uma escala acima dos 70% de trabalhadores”. E o Parlamento aprovou um pedido do Chega para a sua audição urgente. 

PGR investiga quatro mortes


Até agora, foram identificadas 11 mortes que podem estar relacionadas com a falta de socorro durante a greve às horas-extra dos técnicos de emergência pré-hospitalar, mas a Procuradoria-Geral da República só está a investigar, neste momento, quatro. Segundo foi explicado ao DN, estão a ser investigados os casos ocorridos em Bragança, Cacela Velha, Vendas Novas e Almada. À comunicação de óbito ocorrida em Ansião foi aberto um inquérito, mas os elementos recolhidos levaram ao seu arquivamento. Em relação a outros dois casos ocorridos em Bragança e em Tondela ainda está a ser recolhida informação. Sobre o caso de Matosinhos ainda falta apurar  elementos que possam levar a um inquérito.