A morte do presidente do Irão, Ebrahim Raisi, confirmada ontem e ocorrida na sequência de um acidente de helicóptero no domingo pode levar a um período de instabilidade política, mas é improvável que mude a política externa do Irão ou o seu papel no Médio Oriente. O seu sucessor será escolhido numas eleições marcadas para 28 de junho.
O clérigo ultraconservador era considerado um dos favoritos para suceder ao líder supremo Ali Khamenei, de 85 anos, que detém a autoridade máxima no Irão, e a sua morte representa um desafio para as autoridades iranianas no sentido de garantir a estabilidade do sistema político. Mas os analistas apostam na continuidade da política externa de Teerão, domínio do ayatollah Khamenei e do Conselho Supremo de Segurança Nacional.
“Pode surgir um sucessor que seja tão conservador e leal ao sistema como Raisi foi”, referiu ontem na rede social X Ali Vaez, especialista em Irão do International Crisis Group. “Na política externa, o líder supremo e o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica continuarão a dominar as decisões estratégicas”, prosseguiu este académico, antecipando “mais continuidade do que mudança”.
Já Farid Vahid, especialista em Irão da Fundação Jean Jaurès, recordava ontem que “Raisi estava absolutamente em sintonia com o Corpo de Guardas”, o que “deixou muito espaço e liberdade para os Guardas na região”. Com Raisi, “a tomada de decisões foi muito fluida porque ele era completamente subserviente ao líder”, disse Vahid à AFP, sublinhando que agora “a questão para os conservadores iranianos é encontrar alguém que seja eleito e que não lhes cause muitos problemas”.
“A morte de Raisi pode ter chocado o Médio Oriente e o mundo, mas é pouco provável que altere a direção estratégica do Irão em termos domésticos ou de política externa. Apesar de Raisi deter o título de presidente, a sua autoridade estava limitada pelo líder supremo do Irão, a quem pertence o poder em última instância na República Islâmica”, escreveu ontem Jonathan Panikoff, diretor do Scowcroft Middle East Security Initiative do think tank norte-americano Atlantic Council.
Ebrahim Raisi, de 63 anos, era considerado um ultraconservador e um partidário assumido da lei e da ordem. Apresentando-se como defensor das classes desfavorecidas e da luta contra a corrupção, Raisi foi eleito a 18 de junho de 2021, na primeira volta de umas presidenciais marcadas por uma abstenção recorde e pela ausência de adversários de peso. Quatro anos antes tinha sido derrotado pelo moderado Hassan Rohani.
Nos últimos meses, tinha-se assumido como um firme adversário de Israel, o inimigo declarado da República Islâmica, apoiando o Hamas desde o início da guerra na Faixa de Gaza. Figurava também na lista negra dos Estados Unidos de responsáveis iranianos sancionados por “cumplicidade com graves violações dos direitos humanos”, acusações que as autoridades de Teerão rejeitaram, classificando-as como nulas e destituídas de consequências.
O primeiro vice-presidente do Irão, Mohammad Mokhber, assumiu a presidência de forma interina, enquanto o país se prepara para eleições antecipadas, conforme está estipulado que aconteça “em caso de morte, demissão, ausência ou doença do presidente por mais de dois meses” pela Constituição iraniana. Este documento estabelece ainda que eleições presidenciais para escolher um sucessor permanente serão realizadas no espaço de 50 dias.
Segundo a televisão estatal, as presidenciais antecipadas terão lugar a 28 de junho. Caso não tivesse morrido neste acidente, Raisi terminaria o seu mandato no próximo ano. “Mesmo assim a morte de Raisi deixa um vazio de poder no Irão. (...) Mokhber é improvável que tenha alguma influência significativa ou que procure suceder a Raisi, explicou Panikoff.
Umas eleições presidenciais antecipadas que serão “uma dor de cabeça que o regime quase de certeza teria preferido evitar”. “O Conselho dos Guardiães - o órgão que determina que candidatos são leais o suficiente à ideologia da República Islâmica permitindo-lhes concorrer - pensava que tinham em Raisi um líder que levaria o Irão à próxima geração, provavelmente uma pós-Khamenei”, afirmava ontem o diretor do Scowcroft Middle East Security Initiative.
“Com este plano agora desfeito, o Conselho dos Guardiães será provavelmente mais rígido em relação a quem permitirá fazer campanha, determinado a garantir que o próximo presidente pode defender e proteger a revolução num tempo de revolta doméstica e regional”.