Para si, qual é a conclusão fundamental deste estudo?
O que concluímos do estudo é que há um número muito elevado de perguntas não adequadas a crianças vítimas de abuso sexual e que condicionam bastante o testemunho das vítimas. Pode haver o risco de contaminação do depoimento com informação incorreta e que foi apropriada pelo menor. Os juízes de instrução não têm preparação entrevistar crianças abusadas. Por outro lado, há várias dificuldades no sistema. Por exemplo, as DMF são tomadas apenas um ano depois de a queixa-crime ter sido apresentada.
O processo Casa Pia contribuiu para a evolução destes inquéritos e destas diligências?
Sim, desde o processo Casa Pia houve uma evolução muito grande nestes inquéritos de abuso sexual de menores. Quando estes inquéritos passaram a durar um ano isso representou um avanço enorme.
As DMF deviam ser o único ato em que as crianças são ouvidas?
Considero que as declarações para memória futura deviam ser o primeiro e, se calhar, único contacto das crianças com o sistema judicial. Afinal, são as DMF que vão servir de prova no julgamento. Mesmo quando existem indícios biológicos, o testemunho da criança é que vai dar sentido a essa prova. Mas não é isto que acontece. As crianças vítimas de abuso sexual falam oito vezes ao longo do processo. E a DMF continua a ser a última entrevista na fase do inquérito, quando devia ser a primeira.
O estudo conclui que os advogados de defesa dos arguidos e os procuradores também tentam condicionar as entrevistas com perguntas sugestivas...
Bem, a maioria das perguntas são feitas pelos juízes de instrução. Os advogados dos arguidos, quando intervêm, fazem perguntas sugestivas mas não é estatisticamente significativo. Os procuradores do Ministério Público também têm uma elevada percentagem de perguntas de escolha múltipla e diretivas.
O método que o estudo defende, com perguntas mais abertas, o que permite?
Protege melhor a criança e permite descobrir a verdade do que se passou. Com esta metodologia, também protegemos os acusados destes c rimes, uma vez que esta técnica permite filtrar melhor as falsas denúncias. Como defende o estudo, estas sessões devem ser gravadas em vídeo, tal como já está a acontecer noutros países, como o Brasil. No Porto temos a sala preparada para isso e o sistem ade vídeo a funcionar mas temos tido problemas com a gravação e por isso só temos enviado audio para os tribunais.
É possível estabelecer uma ligação entre testemunhos mais credíveis e mais condenações de arguidos?
Com o projeto piloto que implementámos no Porto, na sequência do estudo, temos tido um feedback positivo. As crianças produzem informação com um elevado grau de detalhe e tem havido um elevado número de condenações.
Mas este método não pode ser implementado em todo o país sem haver alterações à lei, certo?
Terá de ser o Ministério da Justyiça a decidir se esta técnica deve ser aplicada em todo o país e depois logo se vê. Tem de haver uma vontade política para que tal aconteça. Mas os juízes de instrução criminal sabem a dificuldade de fazer estas diligências.