Um estudo realizado pela investigadora Ana Maria Fernandez na Universidade de Santiago do Chile trouxe novos dados sobre as diferenças na manifestação do ciúme entre homens e mulheres: ainda que uns e outros experimentem ambos os tipos de ciúme, eles tendem a sofrer mais por ciúme sexual, enquanto elas sofrem sobretudo de ciúme emocional.
«Descobrimos que os parâmetros fisiológicos dos homens estão mais voltados para a agressão, com o aumento do batimento cardíaco e da taxa de respiração. Já com as mulheres, os dados foram mais complexos e mais semelhantes às reações de dor, tristeza e insatisfação pessoal», diz a especialista chilena, adiantando uma explicação simples para um fenómeno imbricado: desde tempos ancestrais que os homens receavam ajudar a criar um filho que podia não ser seu, ao passo que as mulheres temiam perder o vínculo emocional que deixaria a família desprovida dos cuidados paternos.
Fernandez serviu-se de excertos do filme Closer (Perto Demais, 2004), em que dois casais se desmoronam quando se envolvem entre si, para suscitar reações ciumentas nos participantes (quantos?) de ambos os sexos, aos quais mediu depois os parâmetros fisiológicos desencadeados pelas cenas de traição conjugal. Concluiu que, por norma, apesar de haver sentimentos de possessão dos dois lados e de apenas variar a proporção relativa de cada tipo de ciúme neles e nelas, os homens são mais motivados a manterem a relação por competição, impulsionados pela agressividade, e as mulheres sofrem essencialmente de ciúme emocional (sentem mais a dor e a tristeza). A investigadora aponta ainda que na base do ciúme, independentemente das diferenças culturais ou do livre-arbítrio de cada um, está a vontade de impedir que o parceiro que nos «pertence» possa ser perdido para outra pessoa.
Catarina Lucas, psicóloga clínica e autora de um estudo que indica serem os sujeitos que manifestam ciúme moderado a evidenciar maiores níveis de satisfação sexual, confirma esta linha de investigação que sugere que os homens desenvolveram o ciúme como resposta à infidelidade sexual, enquanto as mulheres são mais sensíveis à infidelidade emocional. «No caso dos homens, a suspeita da infidelidade sexual é aquilo que mais afeta a sua autoestima, gerando maiores níveis de ciúme e raiva. De uma perspetiva histórica, preocupados com a possibilidade de traição sexual da parceira, os homens tendem a adotar uma postura ciumenta quando a sua condição de progenitor dominante foi abalada», explica a psicóloga.
Para a especialista, os fatores que podem estar na origem do ciúme passam pela baixa autoestima, raiva, desconfiança, tristeza, incerteza relacional, interferências de terceiros, perceções de intimidade com outros, caraterísticas de personalidade, o tipo de relação que se criou e comportamentos de investigação (revistar bolsos, gavetas e extratos de contas, invadir os registos do telemóvel do parceiro, ligar-lhe inesperadamente para saber onde está e com quem, espiar e-mails, conversas nas redes sociais e cheiros suspeitos na roupa). Refere-se, assegura ainda, ao medo do abandono, da rejeição, da traição, de deixar de ser amado e da perda de exclusividade na vida do outro.
«Alguns autores indicam que o ciúme advém da sua utilidade para o ser humano, uma vez que mantém a relação», diz Catarina Lucas. «Outros relatam que surge devido a questões culturais. O facto de ser do conhecimento geral que muita gente trai e considera isto normal, gera ansiedade face ao próprio relacionamento.» E por isso a psicóloga avança a teoria de que «quando o ciúme aumenta, a satisfação sexual diminui, já que a obsessão e os pensamentos irrealistas se tornam de tal forma intensos que se apoderam da relação, destruindo-a». O mesmo sentimento, desde que em níveis moderados, estaria associado ao bom desempenho sexual dos parceiros e à manutenção do relacionamento amoroso.
Desde tempos bíblicos que o ciúme inquieta homens e mulheres, muitas vezes num grau perverso que os incita a destruir o amor, a confiança, casamentos de anos. Na mitologia grega, a deusa Hera perseguia, torturava e matava as amantes de Zeus que conseguia apanhar, dando igual tratamento aos filhos bastardos do marido: mais do que imaginá-lo com outras mulheres, consumia-a a ideia de pensar que o deus poderia vir a gostar mais delas do que de si. Na peça Otelo, de William Shakespeare, o protagonista é convencido por Iago de que a esposa, Desdémona, estaria envolvida com Cássio, razão por que a asfixia no quarto, louco de ciúmes, antes de descobrir que ela era inocente das acusações de traição. No seu Ensaio sobre o Ciúme, o escritor russo Lev Tolstoi faz a personagem de Podzdnischeff matar a mulher por ciúmes de um violinista com quem a imagina a ter relações: «Mas o que é que eu estou a fazer aqui sentado no escritório enquanto eles se estão a divertir e a comer?... Oh, mas porque não a estrangulei da outra vez?»
«Embora a situação tenha mudado nos últimos tempos, na maioria dos casos a mulher desempenhou um papel secundário na relação conjugal, dependendo do marido para a manutenção económica da família. Assim, uma traição sexual, desde que não comprometesse o establishment familiar, era tolerada, embora emocionalmente deixasse marcas profundas na vaidade e na autoestima feminina.» As palavras são de Eduardo Ferreira-Santos, psicoterapeuta e autor dos livros Ciúme - O Medo do Amor e Ciúme - O Lado Amargo do Amor. «Já para o homem, o machismo que carateriza as nossas culturas torna inadmissível a traição feminina, na medida em que ele vê a sua companheira como propriedade exclusiva, além de temer uma possível comparação de desempenho, tão comum na vaidade masculina.»
Foi mais ou menos isso que aconteceu com Pedro e Inês (nomes fictícios). No dia em que Pedro recebeu novo telefonema da ex-namorada às quatro da manhã (por pena, ele nunca lhe disse para parar com aquele comportamento), Inês levantou-se da cama do namorado e terminou a relação, após quase dois anos a apagar a sua própria personalidade vivaz para não sublimar os sentimentos de inferioridade dele. «Morria de ciúmes dos meus ex-namorados e de saber que não tinha sido o primeiro na minha vida», diz Inês. «Mas depois era incapaz de dizer à outra que parasse de interferir na nossa relação, sabendo que isso me magoava profundamente.» Hoje, com 34 anos, Inês continua a considerar aquele namoro o mais doloroso de sempre, apesar de já ter terminado há oito anos. «Passava horas a atormentar-me se um estranho cruzava o olhar comigo no metro, se eu comentava o charme de um ator, se um amigo me ligava - algo que, no final, já nem acontecia, porque me isolei do meu círculo só para ele não me punir com horas de silêncio, quando era suposto estarmos a divertir-nos juntos.» Em pouco tempo a gestora perdeu o pé. Definhou. «Percebi que tinha de acabar tudo, por mais que adiasse e doesse aos dois. Era uma questão de escolher entre ele e eu. E escolhi-me a mim.»
Segundo Lídia Craveiro, psicoterapeuta familiarizada com a temática do ciúme, todas as relações necessitam de um grau de segurança que satisfaça as necessidades da pessoa. «Isso começa logo desde o útero e na infância», diz a psicóloga clínica, com base no trabalho que desenvolve em torno da dinâmica familiar e das relações. «É suposto a relação com a mãe e o pai ser segura. Se não o for, ficam criadas as condições para que exista desconfiança e se reviva essa insegurança na vida adulta, pelo que é provável que a pessoa se torne ciumenta, com medo de perder o amado», explica, acrescentando que o ciúme se torna patológico «quando inflige dor ao outro membro do casal ou se torna insuportável para si mesmo viver dessa forma».
Para viver com Bruno e integrar-se na vida a dois depois do nascimento da filha de ambos, Alexandra Simão levou para casa um medo destrutivo de perder o companheiro. Passou de namorada ciumenta, mas controlada, a esposa paranoica com as horas de chegada a casa, os cheiros, as amigas dele, os sinais de mensagem no telemóvel. «Tenho um medo horrível de que outra o assedie e ele se apaixone por ela», confessa a jovem de 29 anos, dividida entre a certeza de que Bruno está com ela por inteiro e o receio de perdê-lo. «Já falámos e a resposta é sempre igual: que está comigo porque me ama e adora a nossa vida.» Não lhe sobra muito tempo para descontrair entre o trabalho como socorrista, a rotina doméstica e o papel de mãe. Ainda assim, todos os dias encontra forças para preencher a cabeça com conjeturas que a fazem sofrer. «Vivo num sufoco que me consome, estou sempre a chateá-lo com perguntas. Imagino histórias ao ponto de pensar que podem ser verdadeiras. E tento explicar-lhe que isto só acontece por gostar tanto dele, mas às vezes passo todos os limites, o que ainda me dá mais medo.»
À ideia de que o ciúme serve como tempero do amor, Lídia Craveiro insurge-se. E apelida-o de doença: «Não há ciúmes normais, ainda que sejam frequentes e pouco intensos, e nunca são positivos para a relação, uma vez que por detrás se escondem sentimentos de fragilidade narcísica e de posse pelo outro.» Eduardo Ferreira-Santos concorda com esta visão do ciúme como um sentimento mau, «sempre acompanhado de angústia, raiva e instabilidade emocional», que pode levar a frequentes desavenças entre os parceiros e até, em casos extremos, a agressões físicas e morte. «É importante sabermos que ninguém é de ninguém e que, na verdade, estamos sujeitos a inúmeros acontecimentos, o que não nos garante o controlo absoluto de tudo.»
Como conviver com o ciúme
- Dialogue franca e abertamente com o parceiro, analisando os momentos em que sente confiança ou desconfiança, e quais os motivos que podem estar na origem de tais situações. Esta expressão de sentimentos nunca deve ser feita através da agressividade verbal, mas sim de um estilo de comunicação assertivo, expondo os próprios pontos de vista sem ferir a suscetibilidade e os sentimentos do outro.
- Reconheça o problema: se o ciúme já antes lhe prejudicou relacionamentos, considere a possibilidade de recorrer a uma terapia individual (a realizar com o ciumento) ou de casal.
Caso a discussão tenha por base o ciúme patológico, a pessoa deve estar consciente de que uma relação amorosa não pode, de modo algum, tolerar a autoanulação ou qualquer espécie de agressão, seja verbal, física ou emocional.
- Mantenha o respeito por si mesmo e pelo parceiro: em vez de fazer uma cena de ciúmes diante dos amigos, respire fundo e guarde a conversa para mais tarde.
- Procure não inventar histórias: impedir que a mente crie situações que não existem pode evitar muito sofrimento desnecessário.
- Faça concessões para resgatar a confiança do parceiro, mas sem se perder em armadilhas e proibições por ele impostas.