Portugal
09 dezembro 2015 às 00h05

Governo deixa cair julgamentos relampâgo para crimes violentos

Julgar crimes graves em 48 horas e por um único juiz era uma bandeira de Teixeira da Cruz - e tinha sido chumbada pelo Tribunal Constitucional. Amanhã, o Parlamento altera a lei e os crimes violentos voltam a exigir um tribunal coletivo

Filipa Ambrósio de Sousa

Em fevereiro de 2013, a possibilidade de violadores, homicidas ou pedófilos serem julgados de forma sumária - julgamentos realizados em 48 horas após a detenção, apenas por um juiz e dando menos tempo para a produção de prova - viu a luz do dia. Menos de dois anos depois, a alteração ao Código do Processo Penal será revertida e os crimes violentos passam sempre a ser julgados por um coletivo de juízes.

Apesar dos votos contra de toda a oposição parlamentar, a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, conseguiu aprovar a aplicação de processos sumários a crimes com pena de prisão superior a cinco anos desde que os arguidos fossem detidos pela autoridade em flagrante delito. A aprovação da medida, porém, não a tornou de aceitação pacífica: em dois anos recebeu três declarações de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional.

Agora - com a alteração ao Código de Processo Penal agendada para amanhã na Assembleia da República -, o Partido Socialista pretende reverter essa regra e permitir que apenas casos como furto sem grande violência ou ofensa física sejam julgados de forma sumária. E assim todos os crimes violentos com penas mais severas (mais de cinco anos) terão sempre de passar por um julgamento com tempo para a produção de prova e liderado por um tribunal coletivo (um juiz presidente e dois asas que o ajudam).

"A lei já tinha morrido com a terceira declaração de inconstitucionalidade, em fevereiro do ano passado", diz ao DN o deputado socialista Filipe Neto Brandão, que na quinta-feira levará ao Parlamento os argumentos para a alteração ao Código de Processo Penal. "Agora temos de clarificar a lei para que não haja dúvidas", disse.

À partida, a terceira decisão de inconstitucionalidade só teria efeitos para o futuro. Mas todos os julgamentos de crimes realizados em sumário de março de 2013 a fevereiro do ano passado que ainda não tinham transitado em julgado estiveram em risco de ser repetidos. A decisão cabia ao Ministério Público.

O caso de Manuel Cunha, o homicida de 73 anos que em abril de 2013 matou a mulher à paulada, no Fundão, foi um dos alvos da decisão do Tribunal Constitucional. O arguido tinha sido julgado em processo sumário em maio de 2013, um mês depois do crime, e condenado a uma pena de 20 anos de prisão. Depois da terceira decisão do Constitucional, o Tribunal da Relação de Coimbra mandou repetir o julgamento por considerar que a regra do Código de Processo Penal não permitia todos os direitos de defesa dos arguidos. O julgamento foi repetido e voltou a acabar em condenação, mas com uma pena de prisão mais baixa (19 anos).

Argumentos do Constitucional

Na decisão do Tribunal Constitucional, os juízes conselheiros consideraram que, num julgamento realizado de forma tão rápida e em que apenas um magistrado judicial decide, há uma diminuição considerável dos direitos dos arguidos. "O julgamento através do tribunal singular oferece ao arguido menores garantias do que um julgamento em tribunal coletivo, porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa", lê-se no acórdão.

Durante o debate no Parlamento, a ex-ministra sustentou que as garantias do arguido nos processos sumários estavam salvaguardadas. "Os direitos de defesa do arguido foram devidamente acautelados através da previsão do direito ao prazo para preparação da defesa, caso em que, apesar de o julgamento não ser logo em 48 horas, o processo se mantém como sumário."