A quatro semanas do fim de mandato, Cavaco Silva não fugiu à regra dos últimos anos: apenas três indultos foram validados ontem pelo ainda Chefe do Estado - que abandona o cargo em março do próximo ano -, de um total de 93 pedidos feitos por reclusos. Dois de extinção de pena de prisão e um de revogação da ordem de expulsão do país. O DN fez as contas: nos dez anos dos dois mandatos do presidente, apenas foram concedidos 197 perdões: ou de extinção da pena de prisão, ou de redução da mesma ou revogação da ordem de expulsão do país. Um número que fica muito aquém dos 437 indultos concedidos pelo seu antecessor, Jorge Sampaio, nos seus dois mandatos (de 1996 a 2006).
"Razões humanitárias" foram os fundamentos na base das medidas de clemência decididas ontem por Cavaco e anunciadas após uma reunião com a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, que decorreu no Palácio de Belém. A decisão sobre os restantes processos de indulto - 90 pedidos, dos quais 71 são relativos a reclusos que não beneficiavam de regime aberto - baseou-se num conjunto de pareceres desfavoráveis emitidos pelos magistrados dos tribunais de execução de penas e pelos diretores dos estabelecimentos prisionais. E ainda nos relatórios dos serviços prisionais e reinserção social e nas propostas do Ministério da Justiça.
Já em vésperas do Natal de 2014, o Chefe do Estado concedeu três indultos relativos a penas de expulsão do país, tendo sido igualmente "razões humanitárias" que justificaram esta clemência. Apenas três pedidos aceites num universo total de 1224. No ano imediatamente anterior, em 2013, Cavaco Silva concedeu dois indultos, um de pena de prisão e outro de expulsão, depois de analisar 251 propostas, segundo dados então divulgados.
O recorde de Cavaco Silva registou-se logo no primeiro Natal do seu mandato - em 2006 - com um total de 34 clemências aprovadas (28 respeitantes a redução parcial da pena e seis casos de expulsão).
Um perdão mediático em 2006
Nesta lista consta, porém, o caso de um empresário de Évora que alegadamente era procurado pelas autoridades. Dois meses depois de serem conhecidos os indultos, em fevereiro de 2007, o semanário Expresso avançava que Cavaco Silva teria concedido o perdão de uma pena de seis meses de prisão aplicada a um empresário da noite de Évora, desconhecendo que o homem teria sido condenado, num pro- cesso anterior, a quatro anos e meio de cadeia e sobre o qual pendiam vários mandados de captura nacionais e internacionais por ter fugido para o estrangeiro. Na altura, a proposta de indulto apresentada pelo ministro da Justiça socialista , Alberto Costa, vinha acompanhada de pareceres favoráveis, incluindo um do Tribunal de Execução de Penas. O pedido de perdão, visando a reintegração social do condenado, apontava como atenuante o facto de já ter sido paga uma multa de cerca de 25 mil euros, associada à pena de prisão de seis meses. À data, o ministério alegou que não foi informado de quaisquer outras condenações, referindo que os seis meses de prisão seriam parte da pena que faltava cumprir ao empresário. O proprietário de várias discotecas não terá chegado a cumprir um único dia de prisão por ter fugido para o Brasil e Moçambique, tendo vindo a Portugal clandestinamente algumas vezes.
O indulto é uma medida indi-vidual de clemência prevista na Constituição da República Portuguesa e que pode abranger não só o perdão total ou parcial da pena de prisão mas também a revogação de penas acessórias de expulsão do país aplicadas a reclusos de nacionalidade estrangeira. Pode ainda traduzir-se na comutação da pena, com a substituição de uma pena por outra menos grave. O pedido pode ser feito também por familiares ou representantes dos reclusos, dirigido ao ministro da Justiça até 31 de maio de cada ano.