Alpiarça, terra do distrito de Santarém, onde nas eleições presidenciais de 1958 o general Humberto Delgado obteve o seu melhor resultado (mais de 80%) contra o candidato oficial do regime salazarista, Américo Tomás ("reeleito" com base numa enorme trapaça eleitoral); e, em Alpiarça, na Casa dos Patudos, onde em 31 de outubro de 1929 morreu o republicano José Relvas, o homem que em 5 de outubro de 1910 proclamou, na varanda da Câmara de Lisboa, a instauração da República.
Maria de Belém partirá para os 15 dias finais da campanha colando-se a valores que são desde sempre uma bandeira identitária do PS - a igualdade e a ética republicanas - e num distrito em que em termos de tropas apoiantes joga pelo seguro (ou pelo Seguro, se se preferir). Santarém é onde os apoiantes do antigo líder ainda têm uma forte predominância no aparelho do PS - começando pelo próprio presidente da distrital, o deputado António Gameiro, apoiante declarado da candidatura presidencial da ex-ministra da Saúde. Ao seu lado, a candidata deverá ter hoje aquele que é, que se saiba, o seu mais importante apoiante dentro do elenco governamental de António Costa, João Soares, o ministro da Cultura. Até agora, mais nenhum ministro lhe declarou apoio (e são pelo menos seis os que estão com Nóvoa).
A campanha parte em perda. Primeiro, porque as sondagens, ao princípio simpáticas - no confronto direto com Nóvoa -, têm evoluído em seu desfavor, podendo isto querer dizer que produziram um efeito negativo na sua imagem as críticas (protagonizadas por Marisa Matias e por Henrique Neto) ao facto de ter acumulado funções na área da saúde do Grupo Espírito Santo com a presidência da comissão parlamentar de saúde. Segundo, o ex-reitor da Universidade de Lisboa parece estar a conseguir aproveitar a forma positiva como lhe correu o frente-a-frente com Marcelo Rebelo de Sousa para dar um novo impulso à sua candidatura, criando uma dinâmica ascendente. E surgiram nos últimos dias outros contratempos: uma notícia que afinal não se confirmou, dizendo que o seu velho amigo António Guterres a iria apoiar (Guterres disse que se apoiar alguém isso só acontecerá numa eventual segunda volta, seguindo a indicação oficial que o PS então dará); e depois a notícia de que a eurodeputada socialista Ana Gomes - que foi quem, há um ano, lançou o nome de Belém numa reunião da Comissão Política do PS - afinal está do lado de Nóvoa.
Ontem, sem surpresa, Maria de Belém ficou também a saber que o seu sucessor como presidente do PS, Carlos César, apoia Nóvoa - e o melhor que conseguiu fazer para controlar os danos foi emitir uma nota confirmando algo que já se sabia há semanas: que António Almeida Santos, outro ex-presidente do PS, a apoiará: "Maria de Belém é uma mulher seríssima e está à altura de termos uma mulher Presidente da República. Gostaria muito que ela ganhasse as eleições", disse o histórico socialista, numa curta declaração escrita divulgada pela candidatura.
O mapa que se conhece da campanha parece indiciar que esta seguirá o padrão das campanhas do PS. Começando em Santarém, rumará depois ao sul. Depois, começará a subir em direção ao Norte, parecendo, pelas indicações disponíveis, que terá aqui bastante incidência. Maria de Belém é natural do Porto e irá tentar explorar essa condição em seu favor.
Outro dado relevante que parece emergir - mas as informações disponíveis são ainda escassas - é o de que se tratará de uma campanha intensamente "social", ou seja, tenderá a passar muito pelo tipo de instituições de proteção que mobilizaram a atenção de Maria de Belém ao longo de toda a sua vida política, associativa e profissional.
Neste âmbito, hoje à tarde a candidata visitará a Misericórdia de Setúbal e amanhã um centro de apoio a idosos em Portimão, depois o hospital da cidade, a seguir uma creche em Évora e ainda na mesma cidade uma outra instituição de apoio à infância, a Associação Chão de Meninos.
A sua prioridade à valorização da economia social levou-a há dias a defender que, sendo eleita, levaria estadistas estrangeiros que visitassem Portugal a jantar em lares de terceira idade, para que conhecessem melhor a realidade portuguesa, algo que lhe valeu abundante chacota na net. A candidatura emitiu um comunicado dizendo que a posição de Maria de Belém "é, como sempre foi, a de que a Presidência da República deve ser exercida junto das pessoas e não nos salões".