Pedro Sequeira
03 dezembro 2019 às 10h44

Os vampiros de Badajoz

Pedro Sequeira

Num tempo que hoje parece muito distante, sem o ser de facto, em que ainda não existiam companhias low cost, para muitos portugueses a única possibilidade de ir ao estrangeiro sem gastar uma fortuna limitava-se a uma ida de carro até Badajoz. Não sei precisar a primeira vez que o fiz, na companhia dos meus pais, mas ainda tenho presente a sensação de aventura associada a cada uma dessas viagens.

A deslocação era pela estrada nacional 4, que corta Portugal ao meio e liga precisamente o meu Montijo natal a Elvas. Logo ao cruzar a fronteira do Caia, as primeiras impressões de novidade resultavam da súbita qualidade do asfalto e da maior dimensão dos sinais de trânsito. Depois seguiam-se outros estímulos: o contacto com uma língua nova, a refeição num país diferente ou a busca por um brinquedo invulgar capaz de impressionar os meus amigos.

Além do passeio em família, essas visitas serviam também para comprar determinados bens a preços mais económicos. Um deles, recordo-o perfeitamente, foram uns casacos de cabedal que ainda hoje devem repousar no roupeiro dos meus pais.

Já adulto, passei a usar o argumento que compensava ir a Badajoz fazer um grande avio de supermercado, desde que atestasse o depósito por lá e que o trajeto fosse sempre pela nacional 4 (sem portagens). Sim, o rigor dessas contas é questionável, mas preferia mil vezes esta viagem vagarosa até ao outro lado da fronteira, embalado pela música e pelas paisagens tranquilas do Alentejo, do que uma tarde enfiado num hipermercado perto de casa.

Numa das últimas visitas a Badajoz fiz também uma viagem no tempo, recuando uns bons 30 anos no calendário. Já com os meus filhos - que como eu tiveram naquela cidade o seu "batismo" no estrangeiro -, entrámos numa dessas lojas que vendem rebuçados e gomas a granel e foi lá que encontrei uns caramelos espanhóis que só o "Filipe dos Gelados" (mítico comerciante do Montijo) vendia quando eu era criança. Carregados de açúcar e colorante vermelho, distinguiam-se pelo sabor a morango e pelo nome: Vampiro. Eram saborosos e baratos, por isso havia sempre um de nós que comprava meia dúzia para distribuir pelos amigos. Agora ali estavam eles. Centenas de vampiros. A fazer-me recordar essas tardes a brincar na rua. E a justificar porque é que ainda hoje continuo à espera de ser surpreendido sempre que vou a Badajoz, nem que seja, como diz a expressão, apenas para "comprar caramelos".