Apesar de ser apoiada por Eanes, Soares e o outro Sampaio, a candidatura do professor doutor Sampaio da Nóvoa possui inegáveis virtudes. O candidato presidencial médio exibe, no máximo, uma ou duas "causas". O professor doutor Sampaio da Nóvoa, que evidentemente não compreende o cargo a que concorre, avança com vinte - as quais "podiam ser cinquenta ou cem", diz ele. Ou oitocentas e sessenta e duas, digo eu. Há "causas" para todos os gostos, da "Cidadania Sénior" à "Cultura", da "Juventude" às "Alterações Climáticas", da "Língua" à "União Europeia", da "Diáspora" ao "Mar". Faltam, que me lembre, o "Humanismo", a "Solidariedade", o "Sol" e as "Bicicletas".
Não faltam dois mandatários para cada "causa", um de cada sexo porque o professor doutor Sampaio da Nóvoa preza a "igualdade, a igualdade de género, todas as igualdades". Aqui, temos figuras de peso como a actriz Maria do Céu Guerra, a filha de Adriano Moreira, o pai da medicina António Arnaut, a romancista Lídia Jorge, a viúva Pilar del Río e o especialista em aeronáutica António Hífen Pedro Vasconcelos. Acima de todos, ou ao lado por conta das igualdades, temos a grande pianista Gabriela Canavilhas e o grande sindicalista Carvalho da Silva no papel de "coordenadores de causas", não fosse alguma "causa" extraviar-se na confusão.
Que mais querem? Dado que no próximo dia 26 tenciono levantar-me tarde, assistir a dois jogos do campeonato turco e dar literalmente banho aos cães, em princípio não poderei votar. Porém, nada me impede de recomendar o voto no professor doutor Sampaio da Nóvoa. Será um bom chefe de Estado? Fora de brincadeiras: será uma anedota sem precedentes (e os precedentes já não eram desprovidos de piada), mas não é isso que deve desmotivar os cidadãos a fintar as sondagens e consagrar o homem. Se a Constituição atribui ao presidente a função de representar a República, julgo que, na infeliz ausência de Fernando Nobre, poucos a representariam com a competência do professor doutor Sampaio da Nóvoa.
Embora as campanhas de quase todos os restantes candidatos sejam realizadas em nome do bom povo, é o professor doutor Sampaio da Nóvoa quem, se calhar sem querer, melhor personifica parte dele. Ele é o vazio das "ideias". Ele é a jactância dos simples. Ele é a superioridade moral erguida sobre ar morno. Ele é a infantilidade do discurso. Ele é o fervor dos beatos. Ele é a crença primitiva na magia do lirismo. Ele é o sentimentalismo vulgar. Ele é a redução da liberdade a uma palavra que se mastiga. Ele é o suave apelo da loucura. Ele é a parlapatice do feirante. Ele é a irresponsabilidade dos inimputáveis. Ele é a prosápia transformada em prestígio pelos pares. Ele é o radical desprezo pela noção de ridículo. Ele, o professor doutor Sampaio da Nóvoa, é não só certa esquerda: é também certo Portugal.
Ninguém, nem sequer o Sr. Vitorino de Rans, conduziria tão cabalmente o país ao destino que o espera. Se, conforme tudo indica, vamos a caminho de nos esborracharmos no chão, merecemos um timoneiro à altura.
Terça-feira, 5 de Janeiro
Pontes
O regresso dos feriados confiscados pelo governo anterior confirma aquilo de que já se desconfiava: o governo actual é bonzinho. Mas a medida também desvenda uma novidade, leia-se a religiosidade da Frente Popular. Uma coisa é a "reposição" de feriados patrióticos como a implantação da República e a restauração da independência (que António Costa, com a erudição que o distingue, julgava alusivo à fundação da nacionalidade). Coisa muito diferente é o resgate de datas como o Corpo de Deus e o Dia de Todos-os-Santos. Não se percebe que a esquerda que estrebucha face aos crucifixos remanescentes nas salas de aula, ou a um ministro que invoca o Belzebu para justificar as cheias em Albufeira, seja a exacta esquerda que cuida do conforto espiritual do povo devoto. Se calhar não é para perceber.
Certo é que meio mundo andou meses a jurar que António Costa é um exímio construtor de pontes. E tinha razão: em 2016 serão no mínimo três.
Sexta-feira, 8 de Janeiro
O prato do dia
Quem ridiculariza a escassez de propostas dos candidatos presidenciais não está atento a Maria de Belém. Mal chegue ao palácio homónimo, a dona de um currículo que talvez impressione os que o não leram quer iniciar "práticas diferentes" e "inaugurar um tipo de políticas". Quais? Ora essa: mostrar a realidade do país a chefes de Estado estrangeiros, levando-os a almoçar a lares de terceira idade. Para já, o convite não explicita o cenário do lanche, jantar e ceia. Mas abre a porta a práticas de facto inéditas. Não ficarei surpreendido se, a benefício da imersão na realidade portuguesa, a "presidenta" Maria levar os colegas em visita a esperarem o metro em dia de greve, a patrocinarem a falência de bancos, a pagarem os impostos e as taxas dos ricos que auferem dois mil euros, a suportarem uma tarde num Parlamento possuído pelo fantasma de Chávez ou, para conhecerem num ápice os abismos do nosso infortúnio, a passarem dez minutos na sua própria companhia.
O que me surpreenderia um bocadinho era que, ameaçado com a sopa dos pobres, qualquer estadista, civilizado ou não, aterrasse por aí. E o que me surpreenderia imenso era que, depois disto e de mais uma ou duas coisinhas, alguém votasse na senhora.