Uma das conclusões do livro é que o partido Chega é um projeto com rosto - André Ventura - mas ainda sem uma coluna vertebral. O que é que isto quer dizer?
O Chega foi, desde o princípio, um partido muito identificado com o seu líder. André Ventura era o seu maior promotor. Aliás, todas as pessoas que se aproximaram - eleitores, simpatizantes - aproximaram-se ao André Ventura, mais do que ao partido em si. O partido tem um rosto, tem um porta-voz, tem uma cabeça. Mas o partido é muito novo, tem pouco mais de um ano e, por enquanto, não tem ainda um esqueleto, uma coluna vertebral. Está a construí-la agora, cooptando quadros nacionais e locais, mas, até agora, nós temos o André Ventura, temos um círculo pequeno de pessoas à sua volta, mas nenhuma destas pessoas está ao mesmo nível de André Ventura. Ou seja, não há ainda uma classe dirigente forte, o que é fundamental para um partido que queira assentar raízes e estruturar-se de maneira sólida.
Num cenário de o Chega poder chegar ao governo teria, neste momento, quadros para assumir essa responsabilidade?
Neste momento não tinha. A minha investigação é muito recente, terminou em maio último e, até essa altura, pelo menos, o Chega teria também alguma dificuldade para apresentar uma equipa parlamentar interessante.
Que tipo de pessoas, de dirigentes e de quadros é que podem ser atraídos para o Chega?
Temos duas características interessantes nas pessoas que já rodeiam André Ventura. São pessoas entre os 30 e os 40 anos, algumas nos 50, que vêm das profissões liberais, com formação superior. Isto é engraçado porque está em contra tendência daquilo que é o eleitorado típico de um partido de extrema-direita ou de direita radical europeia.
A média de formação dos dirigentes do Chega é mais alta do que noutros partidos europeus e mais alta até que a média de formação dos portugueses em geral. São quadros com boa formação e isso, tendencialmente, deveriam ser os quadros que o Chega deveria cooptar, quer na sociedade civil, quer "roubando" aos outros partidos - PSD, CDS - de centro-direita ou até ao próprio PS. Agora, o Chega, tal como escrevi no livro, tem um problema: muitos destes jovens quadros, potenciais interessados no Chega têm medo da relação com a comunicação social, ou seja, eles sabem que os quadros do Chega são completamente escrutinados - e já temos exemplos de dirigentes do Chega que acabaram nas primeiras páginas dos jornais. Muitos deles, tendo uma vida privada e profissões liberais, não estão ainda disponíveis para correr este risco. Porquê? Porque, neste momento, o Chega é um partido de 1,3% de votos, portanto não tem uma contrapartida para dar aos seus dirigentes, aos seus quadros. Não se pode ser presidente de uma câmara, de uma junta de freguesia, de uma empresa municipal - aquelas contrapartidas que os partidos dão aos seus dirigentes. O Chega ainda não tem essa capacidade, portanto tem alguma dificuldade, devido à hostilidade que tem, principalmente por parte da comunicação social, em cooptar quadros deste nível.
Aqueles poucos que estão desde o princípio na génese do Chega são pessoas com esse nível, com formação superior, de profissões liberais, que trabalham com empresas e empresários... O problema é que muitos deles não têm experiência política e isso pode ser um problema neste momento. O Chega tem um vice-presidente, Nuno Afonso, que tem uma longa experiência política desde a juventude no PSD e sabe como é que funciona uma máquina partidária; o Diogo Pacheco de Amorim tem uma longa experiência política e sabe como é que funciona uma máquina partidária, mas os outros militantes de ponta, muitos deles estão na política pela primeira vez e isso é uma limitação.
Conseguiu definir um perfil ou perfis desses militantes?
Sim, sim. Há perfis típicos. Há pessoas que têm um longo curso nos partidos mainstream - PSD e CDS -, com 20 e 30 anos de militância nestes partidos, até com posições de responsabilidade nas autarquias locais, nas juntas de freguesia, e que se tinham desfiliado desses partidos já zangados, fartos da crise do PSD e do CDS na última década; há algumas pessoas que vêm de partidos de esquerda a até do PS, um ex-vereador sem pelouro da Câmara de Cascais pelo PS que se zangou com aquilo que se passou na esquerda portuguesa nos últimos anos, com a entrada da agenda do Bloco [de Esquerda] na esquerda portuguesa. Depois há pessoas que não têm filiação partidária nenhuma, que foram sempre descrentes da política, nunca se interessaram, sempre consideraram o sistema dos partidos uma máfia para uma pequena elite, e que viram em André Ventura algo de diferente, ainda no período das autárquicas em Loures, e decidiram entrar no projeto. O perfil é muito diversificado.
O Chega tem sido notícia também por ser permeável à infiltração de pessoas racistas e xenófobas. O André ventura condena sempre esse tipo de comportamentos quando há alguma notícia sobre eles, mas depois faz propostas como um confinamento especial para a comunidade cigana. Onde é que aqui está a verdade? O Chega é, na verdade, um partido racista e xenófobo ou não?
Vamos analisar as coisas por partes porque esta é um dos assuntos mais complicados para se falar em relação ao Chega. Primeiro o fenómeno das infiltrações: é evidente que quando aparece pela primeira vez um partido que se afirma declaradamente de direita, por isso na direita do espetro político, e não se importa com as acusações de ser um partido radical, isto chama muito a atenção do microcosmo da extrema-direita tradicional portuguesa. Há uma galáxia de organizações e grupelhos nacionalistas de longo curso que têm uma dupla postura em relação ao Chega. Ou o odeiam porque vêm que é um partido que lhes está a roubar protagonismo - é o caso do PNR que odeia o Chega e faz tudo para desacreditar o André Ventura - ou, pelo contrário, começam a olhar com interesse para o partido, com tentativas de entrarem.
Os fundadores, os dirigentes do partido, deram-se conta deste fenómeno e estão a tentar estancar estas entradas. Porquê? Porque não têm interesse nenhum em ter este género de infiltrações por duas razões: primeiro, porque a galáxia nacionalista é muito reduzida, mesmo em termos de votos e de militância é pouco significativa. Ou seja, traz muito mais problemas do que soluções para as fragilidades do partido. Os fundadores do partido têm perfeita consciência disso e estão a agir em conformidade. Pela entrevista que fiz ao responsável pelo gabinete jurídico do partido percebi que eles estão atentos às inscrições que se fazem no partido, mas também admitem que é uma dificuldade porque estamos a falar de um partido que, em poucos meses - em setembro de 2019 tinha 700 filiados e hoje tem mais de 10 000 - teve milhares de pessoas a filiarem-se. É muito difícil para um partido pequeno - também o seria para um partido grande - rastrear toda esta gente. Em qualquer dos casos, estas "infiltrações" nunca correspondem à tentativa de criar uma corrente de extrema-direita dentro do partido, de criar uma corrente nacionalista tradicional. Entram a granel, como se diz, mas sem a capacidade de influenciar o ADN do partido. Em relação à questão da xenofobia e do racismo vamos também dividir a resposta em duas partes. A primeira coisa é que há uma estratégia discursiva do André Ventura para conquistar as primeiras páginas dos jornais. Isto é quase fundacional em André Ventura, ele torna-se político nacional em 2017, na campanha autárquica de Loures, com os sound bites dos ciganos. Existe um problema com os ciganos em Loures, é este tema em que teima André Ventura e que lhe garante a visibilidade nacional. Toda aquela polémica nasce daí. É a partir de então que ele se dá conta de duas coisas: que este género de estratégia discursiva ganha a presença nos media e ganha também fatias consideráveis de eleitorado.
Aliás, como está escrito no livro, Ventura ganha em Loures 5% mais dos votos do que aqueles que o PSD tinha, e isto devido ao seu discurso. Assim, ele dá conta que há espaço de manobra para esse discurso em Portugal - ganha os media e ganha eleitores. Portanto, não faz sentido deixar essa estratégia discursiva.
Há pouco disse que esse tipo de infiltração [nacionalista] que possa haver traz mais problemas do que soluções, mas também diz que um discurso xenófobo consegue captar mais votos. É pela visibilidade então?
Quando nós falamos de direita no espaço público em toda a Europa, é normal que haja discurso sobre temas fraturantes como a imigração, minorias e por aí fora. Nós podemos rotular de xenófobo e racista este discurso, mas se lhe retirarmos os rótulos de xenofobia e racismo e o analisarmos como um discurso político entre outros discursos políticos e outras posições políticas sobre um determinado tema, conseguimos analisá-lo na sua forma natural do debate político entre forças diferentes. Por exemplo, para ser mais claro: existe uma política em Portugal sobre minorias étnicas, sobre a comunidade cigana, há políticas públicas para a comunidade cigana.
Que podem ser contestadas...
Exatamente. A questão é essa. É legítimo ou não é legítimo criticar, contestar e apresentar políticas públicas alternativas a essas políticas públicas? No sistema democrático é legítimo. Aquilo que o Chega faz é isso. Agora, pode dizer que o discurso deles é muito contundente. É verdade. Porque é a estratégia para colocar este problema nas primeiras páginas dos jornais.
Há um duplo nível de análise. Quando André Ventura disse que temos de confinar as comunidades ciganas, é evidente que ganhou as primeiras páginas dos jornais. Se ele tivesse dito que havia um problema para resolver em Mora, possivelmente ninguém lhe teria ligado nenhuma. Portanto, é uma estratégia discursiva dele.
E sobre o racismo?
Há duas linhas de análise com origem nos meios académicos. Uma, que se tornou bastante forte aqui em Portugal e que vem dos Estados Unidos, trazida para cá pela esquerda e pelos movimentos afrodescendentes em particular, que é a ideia de que a democracia liberal de matriz capitalista é estruturalmente racista. É a ideia do racismo estrutural, aquilo de que se fala hoje em dia também em Portugal. Portugal é um país estruturalmente racista, portanto os partidos também, como qualquer outra instituição neste sistema, são estruturalmente racistas. Eu não consigo ver as coisas assim. Porque se visse as coisas assim, o Chega seria racista, o CDS seria racista, o PSD seria racista, o PS seria racista. Teríamos de analisar só a capacidade de cada um de admitir que era racista e desmantelar o modelo. Na grelha de análise que está presente no livro, e que vem do debate interno da direita radical europeia das últimas décadas, desde os anos 1960, tenho, por um lado, uma visão etno-nacionalista que diz que o português é o branco de ascendência branca portuguesa e não há outras alternativas, temos de defender esta identidade. É o etno-nacionalismo puro. Por outro lado, temos o nacionalismo cívico: português é qualquer um que queira ser português, independentemente de onde venho, independentemente da sua origem étnica.
Se nós analisarmos o Chega desta forma, temos uma data de posições diferentes entre os dirigentes do Chega, que não se identificam nem com o polo do etno-nacionalismo puro, nem com o outro polo do nacionalismo cívico. O primeiro é o ponto de reconhecer que, pela herança imperial, Portugal é uma sociedade multiétnica. Portanto, no Chega o facto de que existem portugueses de origem africana é reconhecido.
Essa é uma linha do Chega?
É uma linha do Chega. Não encontrei até agora nenhum dirigente do Chega que me diga: "Não, um africano, um negro, não pode ser português". Não podemos aferir isso. É interessante ver que o André Ventura a princípio fala com os seus amigos para fundar o Chega e os seus amigos mais chegados são do tempo do seminário e da residência universitária onde ele viveu - São Nicolau - que era para estudantes africanos. Por exemplo, um seu amigo africano da residência universitária que foi um dos fundadores do Chega, foi a primeira pessoa responsável pela página do Facebook do Chega, ainda em 2018, era um são-tomense.
Há no Chega uma assumida posição anti-islâmica...
Sim, sobre a presença islâmica na Europa, aí há uma forte aversão. Portanto, a questão étnica não é muito relevante, mas a questão cultural sim. Em Portugal a elite política abre os braços aos imigrantes, aos refugiados, de uma forma acrítica. A lei da nacionalidade portuguesa é impressionante, ao fim de dois anos é-se português. É este género de linha de políticas públicas em relação à imigração que determina muito o que é que serão os portugueses daqui a 50 anos e aí o Chega é muito crítico, os dirigentes do Chega são muito críticos.
E como querem a imigração?
Controlada e selecionada. Ou seja, têm de entrar as pessoas de que nós precisamos, e culturalmente próxima. Para o Chega é mais fácil termos angolanos ou moçambicanos do que paquistaneses ou afegãos. Outra coisa muito importante é a ideia do assimilacionismo, ou seja, o estrangeiro pode vir aqui e é bem-vindo, mas é melhor se se dilui na cultura portuguesa. Aquilo de que eles não gostam - os dirigentes e os militantes - é da ideia da multiculturalidade, no sentido da sociedade multirracial, com guetos étnicos. Para eles é inaceitável a cultura islâmica em relação, por exemplo, às mulheres. As mulheres do Chega, as fundadoras, são super-radicais sobre este tema. São facetas muito complicadas e muito interessantes do pensamento do Chega. Francamente, acho que reduzir tudo a um partido xenófobo e racista simplifica demasiado.
Não consegue dizer se é ou não é, objetivamente?
Objetivamente, como partido, não é um partido racista. Agora, que haja racistas dentro do Chega acredito. Agora, eles também têm plena consciência - há declarações do André Ventura sobre isso, que estão no livro - de que o seu discurso é potencialmente atrativo para o racista. Ele disse claramente: "Eu tenho plena consciência de que o meu discurso é atrativo para o racista, agora, o meu papel de dirigente é fazer com que o partido não se torne um partido racista".
Vai ser muito complicado, mas ele, de certeza, que não vai deixar esse discurso porque ele é politicamente funcional. Funciona, está a funcionar, a percentagem de votos está a aumentar; a presença dele nas páginas dos jornais é constante.
No livro escrevi que isto tem um aspeto positivo e outro negativo. Com a Joacine funcionou, a polémica de devolver a deputada a África funcionou, ganhou as primeiras páginas. Com o Marega e com o Quaresma já funcionou menos. Ele também tem de perceber qual é o limite do discurso.
O Diário de Notícias publicou um artigo sobre a tese de doutoramento de André Ventura, onde se demonstra que o discurso público dele contraria o académico. Não vê aqui um problema de identidade, no mínimo?
Eu não li a tese de doutoramento dele. Posso comentar com base no que li nos jornais. A tese de doutoramento era sobre as consequências do terrorismo internacional na lei penal. Eu sou cientista e sei que quando se descreve um facto histórico ou político há pouco a fazer. É evidente que o terrorismo global teve repercussões na legislação. Há que ter cuidado pois estas repercussões podem tornar a legislação internacional particularmente punitiva em relação à comunidade muçulmana e por aí fora. Agora, isso não tem nada que ver com as minhas posições políticas.
Ele próprio defendeu-se dessa forma, a dizer que uma questão é o trabalho académico outra é a política...
Sim.
Mas acaba por entrar em contradição, não é?
Atenção que no discurso de André Ventura existem algumas contradições. Em lado nenhum, um político pode propor um confinamento de uma comunidade étnica. Isso não funciona. É funcional em termos de discurso político, em termos de conquista dos media, mas politicamente não faz sentido nenhum.
Mas ele acredita mesmo nisso, neste tipo de ideias e de propostas?
Daquilo que percebi, falando com ele, tem um claro perfil de direita, legalista, securitária a chamada law and order. Ele é mesmo assim. Está "obcecado" com o securitarismo, o legalismo.
A experiência dele é a experiência do subúrbio, portanto ele sabe quais são as preocupações das pessoas na Linha de Sintra, nas aldeias onde há uma forte presença da comunidade cigana.
Num país que é um dos mais seguros do mundo?
É um dos mais seguros do mundo, mas a experiência dele é a experiência do subúrbio, portanto ele sabe quais são as preocupações das pessoas na Linha de Sintra, nas aldeias onde há uma forte presença da comunidade cigana. O discurso dele é direcionado a essas pessoas. Aparecem também aí no livro alguns dirigentes do Chega que, mais do que uma vez, lhe disseram para baixar o tom para conquistar o eleitorado. Só que o eleitorado em que esses dirigentes pensam é o eleitorado do CDS, aquele eleitorado das Avenidas Novas, de Cascais. O próprio Ventura diz que agora não lhe interessa esse eleitorado que não entende esse discurso, um habitante das Avenidas Novas não tem o problema que tem o tipo de Mem Martins, do Algueirão ou de não sei onde. Há uma declaração dele no livro que diz: "Quando nós ganharmos as periferias teremos ganho o nosso caminho político". Ele não está interessado em ocupar o espaço do CDS. Porquê? Porque André Ventura vem de um partido de massas, vem do PSD.
O André Ventura não quer construir um partido de direita, quer construir a grande casa das direitas, incluindo tudo, o CDS, o PSD e atraindo o antigo eleitorado da esquerda socialista e até comunista
O André Ventura não quer construir um partido de direita, quer construir a grande casa das direitas, incluindo tudo, o CDS, o PSD e atraindo o antigo eleitorado da esquerda socialista e até comunista, que já não está interessado na dicotomia direita/esquerda, está interessado em determinados temas. Portanto é esta a ideia, não é um partido de fação.
Diz no livro que "o André Ventura é visto como o porta-voz de uma revolta coletiva, ele utiliza um sentimento difuso e, até agora, abafado". Que sentimento abafado é este?
Nós, na ciência política, já há muitos anos que tínhamos detetado que há um sentimento de antipolítica em Portugal, o tal sentimento populista de revolta contra as elites. A demanda política existia, não sabemos ainda qual é a percentagem dessa demanda, mas de certeza que não é uma demanda marginal. Aquilo que não havia era oferta. Nunca houve um líder político com a coragem, com a vontade de cavalgar esta onda de antipolítica. André Ventura é o primeiro a fazê-lo e porquê? Porque teve a experiência de Loures.
É muito importante Loures em toda esta história, porque se não tivesse havido Loures ele não se teria dado conta de que aquele género de mensagem tinha público.
É muito importante Loures em toda esta história, porque se não tivesse havido Loures ele não se teria dado conta de que aquele género de mensagem tinha público. Possivelmente teria ficado no PSD se lhe tivessem dado a Câmara de Sintra como ele queria. Em Loures em particular, ele experimentou ali e funcionou. Quando viu que dentro do PSD não conseguia vingar resolveu ir experimentar fora. Ele deu-se conta de que a direita que ele próprio procurava existia em Portugal.
O que é que influenciou mais o percurso de André Ventura, o seu passado, a sua história de vida, a sua infância, juventude, o ter vivido nos subúrbios, a educação católica também?
É uma pergunta difícil. Eu tenho a certeza de que a vivência no subúrbio e a experiência de Loures influenciaram. Em relação à questão católica, já tive várias pessoas que me disseram que a cultura católica dele é importante para moderar determinadas atitudes suas. Por exemplo, quando diz que é contra o aborto, mas não é pela criminalização das mulheres; é a favor da prisão perpétua, mas contra a pena de morte. Tal como está escrito no livro, há sempre aí uma barreira de personalismo cristão que o impede de ir mais à frente.
Os partidos populistas da direita radical são importantes para as democracias nacionais
O que é que o Chega contribui para a democracia portuguesa?
Eu acho que os partidos populistas da direita radical são importantes para as democracias nacionais. Primeiro, porque trazem para dentro da política novamente pessoas que tinham saído da política. Pessoas que se tinham afastado, que já não tinham interesse nenhum na política, voltam a ocupar-se da política e do debate público. Outro efeito positivo é que o aparecimento de novos partidos obriga os partidos do sistema a mexerem. Atualmente, na Europa, os desafiadores externos muitas vezes vêm da direita. Terceiro, volta a introduzir no debate público temas que os detentores do espaço público põem de fora porque não lhes convém falar disso. Em Portugal, por exemplo, a questão da imigração é o grande tema que até agora nunca era discutido. Não porque não existisse, mas porque os partidos mantinham-no de fora. É um bocado o efeito que tiveram os movimentos afrodescendentes em Portugal. Até eles aparecerem quem é que falava de racismo e destes problemas em Portugal? Ninguém. Os partidos mantinham esses temas de fora porque são temas melindrosos.
A direita portuguesa tem em Portugal há 45 anos os mesmos protagonistas - PSD e CDS - e é sempre a mesma receita, a mesma agenda política, o mesmo discurso.
Outro fator positivo ainda é que repõe a pensar também a própria direita. A direita portuguesa tem em Portugal há 45 anos os mesmos protagonistas - PSD e CDS - e é sempre a mesma receita, a mesma agenda política, o mesmo discurso. Quando chega um desafiador novo mexe tudo e obriga também os outros a reconsiderar a própria maneira de fazer política. Neste caso o Chega e o Iniciativa Liberal tiveram este efeito. No caso português ajuda também muito a legitimar ou normalizar o próprio termo direita, que foi sempre um termo problemático em Portugal. Não tenho dúvidas de que, se o Chega se aguentar, se tornará um termo absolutamente normal como é em França ou em Itália.
Ser de direita deixa de ser tabu?
Sim, como já é em Espanha, França, Itália...
O que é que pode correr mal ao Chega para que não se afirme como uma força política?
O Chega pode desaparecer do mapa. Temos, no passado, outros partidos que desapareceram do mapa. O PRD entrou no Parlamento como uma força poderosa e de umas legislativas para as outras desapareceu sem deixar rasto. Nós agora temos um partido com um único deputado, daqui a quatro anos pode ter 10 ou 15 deputados ou pode também desaparecer do mapa, independentemente daquilo que aconteça nestes quatro ou cinco anos.
O partido, tendo crescido muito em pouco tempo e criou também muitas tensões internas, tanto a nível nacional como a nível local
Nas conclusões do meu livro, indiquei algumas preocupações que os dirigentes têm neste momento e que podem influenciar o partido. Por exemplo, o partido, tendo crescido muito em pouco tempo e criou também muitas tensões internas, tanto a nível nacional como a nível local. Isso pode-se tornar uma fragilidade se o partido não conseguir institucionalizar-se e estruturar-se, e criar uma ordem interna que seja gerível e que impeça o partido de implodir ou explodir; outro problema é a relação com os media. Eles são bastante abertos à relação com os media, mas, a certa altura, se aparecerem escândalos muito graves - financiamentos ocultos, corrupções, compadrios estranhos ou outros - isso pode ser um problema. Repito: é um partido com apenas um ano e meio de vida, com todas as fragilidades que um partido deste tipo pode ter, e mais, uma coisa de que por exemplo a Iniciativa Liberal não sofre é o tal escrutínio e hostilidade, não só de outras forças políticas, mas também da comunicação social.
Como vê a candidatura de André Ventura à Presidência da República e que impacto terá na evolução do partido?
A candidatura de Ventura à Presidência da República é um evento importante na história do partido. Mais uma vez Ventura seguiu o seu faro político face à oposição inicial dos órgãos dirigentes do partido, preocupados em ocupar o 2020 com a consolidação estrutural do Chega e em evitar um eventual desaire eleitoral, que pode prejudicar momentos eleitorais importantes do próximo futuro como as autárquicas 2021.
A campanha presidencial é uma janela de oportunidade única à medida do estilo de André Ventura.
Sempre achei a decisão de Ventura acertada porque a campanha presidencial é uma janela de oportunidade única à medida do estilo de André Ventura. A campanha presidencial é por natureza personalizada, ou seja um embate de personalidades, onde é possível polarizar o confronto entre o candidato do regime e o candidato de protesto antissistema. O debate público confrontacional, cara a cara, televisivo, é o terreno preferido de André Ventura devido à sua capacidade polémica treinada na carreira de comentador futebolístico e de crime na BTV e na CMTV. Para além disso, André Ventura encontra-se, neste momento, numa situação favorecida à direita, uma vez que os demais partidos do centro-direita estão com dificuldades em encontrar um candidato: por um lado, António Costa antecipou-os no apoio oficial a Marcelo Rebelo de Sousa criando uma aliança de facto Costa-Marcelo que coloca PSD e CDS na segunda linha dos apoiantes do atual presidente.
A colagem de PSD e CDS à candidatura de Marcelo pode desagradar a muitos eleitores de direitas, uma parte dos quais eventualmente disponíveis a votar em Ventura.
A colagem de PSD e CDS à candidatura de Marcelo pode desagradar a muitos eleitores de direitas, uma parte dos quais eventualmente disponíveis a votar em Ventura. Em segundo lugar não há muitos candidatos alternativos à direita disponíveis em concorrer contra Marcelo por duas razões: por um lado Marcelo desfruta de percentagens esmagadoras reveladas até agora pelas sondagens; em segundo lugar há o perigo de um candidato alternativo do PSD, CDS ou IL ter uma performance inferior à do Ventura o que em termos de imagem é complicado. Com os dados que temos neste momento, uma eventual candidatura de Ana Gomes pode criar problemas ao Ventura por representar um concorrente de peso no tema da corrupção e dos compadrios da III República. Por outro lado, as sondagens neste momento apontam para a possível passagem de Ventura à segunda volta, embora com uma percentagem pequena (7% dos votos) muito aquém dos dois dígitos já ganhos no passado por candidatos não radicais (Sampaio da Nóvoa em 2016). Mas ainda está ainda tudo em aberto.
Creio que André Ventura tenha todas as cartas para ter um bom desempenho na campanha e, embora não tenha possibilidade nenhuma de ganhar, é uma oportunidade única para o fortalecer como figura política nacional, até com alguma projeção internacional caso passe à 2ª volta.
Creio que André Ventura tenha todas as cartas para ter um bom desempenho na campanha e, embora não tenha possibilidade nenhuma de ganhar, é uma oportunidade única para o fortalecer como figura política nacional, até com alguma projeção internacional caso passe à 2ª volta. Mesmo que o resultado final seja mau, não creio que isso afete o Chega, cujo momento mais importante para a institucionalização e estruturação será o das autárquicas para as quais muitos quadros já estão a mobilizar-se.