"De todos os casos criminais em que Philo Vance interveio como investigador particular, o mais sinistro, grotesco e aparentemente o mais incompreensível, e certamente o mais terrificante, foi o que se seguiu aos famosos assassínios dos Greene." O estilo denota que é um policial, mas só os viciados em clássicos deste género literário é que reconhecem a primeira frase de Os Crimes do Bispo, de S. S. Van Dine.
Quem?... Essa será a pergunta que os leitores habituais de Camilla Lackberg ou de Jo Nesbo, dois dos autores mais famosos em Portugal entre outros "clássicos" do policial em voga. Quem tiver mais uns anos reconhecerá a frase e, ao pegar no livro que hoje chega às livrarias, vê que o volume é a reprodução, quase literal, da identidade da Coleção Vampiro original, que entreteve muitas gerações no século passado. Um tempo em que a coleção era disputada a cada número que saía, exigindo leitura imediata. Como é o caso do segundo volume reeditado em simultâneo, o do mago Ellery Queen, Vivenda Calamidade.
Muitos filhos e netos conhecerão esta coleção de a ver empilhada em lombadas meio destruídas no alto das estantes lá de casa dos pais e dos avós, aonde já não se chega se não for com a ajuda de um escadote. No entanto, há quem nunca tenha esquecido esses momentos vividos a sós com a coleção Vampiro.
O escritor Francisco Moita Flores é um deles: "Foi uma coleção marcante quando era adolescente pois fez parte da minha formação. Posso dizer que é das minhas bíblias de descoberta e de fascínio da vida." Entre os autores que o impressionavam pela técnica estava Earl Derr Biggers, a precisão Mickey Spillane e o imaginário Georges Simenon. "Foi na Vampiro que os encontrámos todos: Stanley Gardner, Ellery Queen ou Sherlock Holmes", diz. Quanto a títulos obrigatórios? "O Cão dos Baskervilles é um deles! Se não estiver lá, a coleção treme. Tal como O Primeiro Inquérito de Maigret, de Simenon, e um qualquer da Agatha Christie", alerta.
Também Francisco José Viegas foi grande leitor da Vampiro: "Deve--se-lhe a divulgação de quase todos os grandes autores policiais. Algumas traduções eram más, principalmente quando se tratava de séries e eram traduzidos por várias pessoas, sem harmonia. Lembro-me do Rex Stout que tanto vivia numa casa de tijolo vermelho como amarelo." O título que mais gostou foi O Imenso Adeus, de Raymond Chandler: "É um dos meus livros fundamentais." Quanto a influências enquanto escritor de policiais, elas não foram grandes: "A Vampiro não tinha estilo próprio porque publicava de tudo, mas a Dorothy L. Sayers e o Spillane foram importantes." Apesar de não ser colecionador, tem muitos exemplares: "Por causa das capas, como o caso de Ellery Queen."
Não faltam, no entanto, colecionadores, mesmo que nos alfarrabistas a procura já tenha sido maior. Em Lisboa, O Mundo do Livro já teve prateleiras cheias mas agora restam quatro volumes. João Pires, o proprietário, informa que "o tempo em que vendia muitos livros acabou com a internet". Nos alfarrabistas por perto nem um, especializaram-se em nichos literários para fugir à crise. É no Ás do Livro que há uma boa amostra. Paula Marques garante que só é preciso dizer qual é o volume pretendido e o arranja. Recorda-se de quando os títulos mais raros valiam 25 euros.
O mais parecido possível
O regresso da Coleção Vampiro não acontece por acaso, antes porque a Porto Editora comprou a chancela Livros do Brasil e com ela vieram os direitos sobre dezenas destes livros. O responsável editorial, Manuel Alberto Valente, explica que a decisão de ressuscitar a coleção se deve ao facto de "se estarem a relançar em todo o mundo estas coleções de policial clássico e como tínhamos um manancial exclusivo desses grandes autores também o iremos fazer". Ainda por cima, explica, "a maioria dos grandes escritores desse género literário estavam fora do mercado porque a coleção não era reimpressa". Autores que eram primorosos na receita desse policial clássico, refere: "Estão lá todos os ingredientes: o detetive, o crime e a dedução lógica. Muito diferente dos atuais thrillers."
A situação de vazio editorial no policial clássico altera-se agora com a publicação imediata dos títulos de S. S. Van Dine e de Ellery Queen e a pretexto da Feira do Livro de Lisboa (de 26 de maio a 13 de junho), seguindo-se a edição de um volume todos os meses. A novidade tem um lado positivo, o preço dos novos livros, a 7,70 euros, que corresponde ao valor baixo dos de antigamente.
Há ainda outras semelhanças segundo o editor: "As capas tendem a assumir o estilo retro e vintage da coleção inicial mesmo que executadas por um designer atual", ou seja, "piscam o olho às antigas capas" no seu tratamento gráfico.
Quanto às traduções, a maioria das novas edições irão recuperar as antigas versões, mas Valente alerta para alterações muito significativas: "Serão fortemente revistas e o texto será integral, situação que nem sempre se verificava pois eram feitos cortes em certas partes para caber na paginação. Desta vez, serão publicados os textos originais."
A nova vida da Coleção Vampiro não prevê que sejam reeditados todos os títulos. Para Valente é fundamental fazer uma seleção: "Serão editados os melhores e há autores em grande quantidade." É o caso de Agatha Christie, que era a autora do primeiro volume da anterior coleção, com Poirot Desvenda o Passado, bem como Dashiell Hammett, Carter Dickson, Mickey Spillane, Stanley Gardner ou Dorothy L. Sayers, entre muitos outros.
Poderão ainda ser incluídos na coleção alguns volumes de autores de época posterior, mas esta lista não contará com nenhum dos poucos autores de policiais portugueses. O caso de Dennis McShade (Dinis Machado), por exemplo.
Para a história da Vampiro ficam alguns números: Inicia em 1947; grande parte das capas são de Cândido Costa Pinto e Lima de Freitas e teve 703 títulos. Acaba em 2007.