Existe primeiro um jardim suspenso, viveiro de aloés e livros e chávenas de chá, cemitério de cartas de amor. A possibilidade de uma ilha, talvez, quando dizer ilha é dizer também mar em volta. Sobre a terra há um corpo, e esse corpo é tudo o tempo todo: homem e mulher, amante e amada, velho como os séculos, jovem como o dia de hoje, imenso como a obra que o fez nascer e íntimo como a transfiguração que os seus dois criadores operaram nela. Um solo para cartografar um corpo sem limites, um tempo determinado para contar uma desmesura - eis os princípios da aventura a que Sara Carinhas e Victor Hugo Pontes se lançaram a partir de Orlando, de Virginia Woolf, biografia fábula de um ser que nasce homem e, a meio de uma vida de 400 anos, acorda mulher.
Ambos tinham o desejo de "pôr em cena a coreografia deste corpo ficcional" num texto que é e não é o romance. "Nunca foi nossa intenção narrar a obra mas perceber em que ponto Orlando nos toca a nós. E aí queríamos encontrar um equilíbrio entre as palavras e o movimento", explica o coreógrafo. "Queríamos saber contar isto num tempo contido e ao mesmo tempo no tempo da natureza, das plantas. E no tempo do corpo. Queríamos perceber que linguagens podemos nós encontrar para falarmos uns com os outros, como podemos usar todas as nossas possibilidades, as palavras, o silêncio", diz Sara.