“Isolada”. Ministra recua e já não vai negociar direito à greve na PSP
O direito à greve na PSP, que para Luís Montenegro é “completamente errado” e “uma irresponsabilidade em áreas fundamentais da soberania”, que não está no programa de Governo, nem esteve no programa eleitoral da AD, nem sequer foi “alguma vez tema de discussão na direção do grupo parlamentar do PSD” - apurou o DN - , foi ontem admitido, durante algumas horas, pela ministra da Administração Interna, que disse que, “com certeza”, o tema estaria “em cima da mesa”, a partir de 6 de janeiro, num “conjunto de revisões” com as associações profissionais das polícias.
Margarida Blasco afirmou que “neste momento não vou dizer se sim ou se não [ao direito à greve], porque vai ter de ser submetido a um estudo” - outra novidade anunciada e não explicada pela ministra.
O Governo e as lideranças das bancadas parlamentares que o suportam, apurou o DN, foram surpreendidos com uma declaração que não foi “concertada [com Luís Montenegro] e que nem estava nem podia estar na agenda” do executivo.
O “inusitado” de uma decisão “isolada”, que colocou em causa “um pilar fundamental no âmbito da segurança Interna” defendido pelo Governo, obrigou a que durante a tarde de ontem fosse “acertado” um comunicado [entre Margarida Blasco e o primeiro-ministro] que permitisse um recuar nas “certezas” anunciadas pela ministra.
Ao DN, fonte próxima da ministra da Administração Interna, horas antes desse comunicado, a meio da tarde, esclarecia que “a verdade é que, apesar de pessoalmente [Margarida Blasco] ser contra e tendo em conta a experiência que tem nesta área, sempre na defesa dos direitos humanos e no bom serviço das polícias aos cidadãos, não está no seu ADN recusar discutir o que quer que seja, de forma aprofundada e com estudos”.
A mesma fonte acrescentou que “qualquer decisão política, principalmente deste tipo, deve ser tomada com base no conhecimento e não com preconceitos ideológicos”.
O que mudou na política do Governo? “Nada”, disse ao DN fonte governamental. “É mais um tiro no pé”, disse ao DN outra fonte do executivo. “Não há serviços mínimos na segurança da população. Ponto final”, resume fonte parlamentar.
À noite, porém, surgiu o recuo “negociado”. Em comunicado, a ministra , contrariando o que verbalizou durante a manhã, assegurava agora que “a posição do Governo é clara: nesse diálogo [com as associações profissionais da PSP] pode ser discutida a representação laboral e os direitos sindicais. Mas não o direito à greve”.
Para Blasco, “qualquer interpretação das declarações proferidas”- a ministra admitiu negociações sobre a questão da greve - “apenas é atribuível a quem a fizer” não podendo “vincular” o MAI que “tudo tem feito para , com respeito pelas partes envolvidas, cumprir o programa do Governo”.
Ora, a sucessão de “casos” envolvendo declarações de Margarida Blasco, que ontem somou mais um, poderá levar “apesar de não ser já”, dizem ao DN fontes social-democratas, a um “desvincular” na sua nomeação. É admitido que a ministra “está por um fio” e que a solução pode ter dois caminhos: interno, com a escolha de um perfil “político” como o de António Leitão Amaro ou uma escolha externa vinda da área do CDS.
A IL, que recusa a possibilidade de greves na segurança [PSP e GNR] por colocarem em causa “a ordem e bem-estar público”, classificou este “abrir a porta a negociações à greve das polícias” como “uma cedência a partidos extremistas que põe em risco a segurança dos portugueses, nomeadamente dos mais frágeis e desprotegidos”. “Felizmente, foi obrigada a recuar”, disse, horas depois, Rui Rocha.
PCP, BE, Livre e Chega defendem o direito à greve da PSP. Socialistas e sociais-democratas sempre manifestaram “resistências”. Durante a campanha eleitoral para as últimas legislativas, por exemplo, Pedro Nuno Santos recusou esta ideia, alegando que “as forças de segurança devem estar concentradas na segurança do povo português”.
E já houve quem, como Rui Pereira, ministro da Administração Interna nos Governos de Sócrates, dissesse que a possibilidade de conceder o direito de greve aos polícias só tinha uma resposta: “nunca, jamais e em tempo algum”.
Ministra da Administração Interna surpreende associações duas vezes
A notícia foi celebrada ontem por algumas horas: o Governo estaria aberto a discutir, em janeiro, o direito à greve dos polícias. A declaração ocorreu no final do congresso da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) em Lisboa, durante conversas com jornalistas, em resposta à pergunta sobre a greve dos polícias, tema que marcou a manhã de discussão no congresso, com várias intervenções de oradores sobre a matéria, fortemente aplaudidas pelos polícias.
Logo após a declaração da ministra, Paulo Santos, presidente da ASPP, celebrou a notícia. “Agora, com esta abertura da senhora ministra para se fazer uma discussão em torno do direito à greve, parece-nos importante acrescentar esse ponto como sendo imprescindível para que o sindicato possa ter a sua liberdade e a sua ação plena”,disse aos jornalistas. Ao DN, garantiu que não sabia que a ministra colocaria o tema em cima da mesa, uma vez que o acordo seria discutir, em janeiro, a tabela remuneratória, suplementos e carreiras.
Ao longo do dia, a notícia, avançada por toda a comunicação social, foi difundida nas redes sociais da ASPP, em especial o Facebook. A celebração - apesar de haver alguns mais céticos com a possibilidade - caiu por terra à noite, com o recuo da ministra.
A ASPP defende, há anos, que a greve “é um direito elementar, constitucional e mais uma vez confirmado por quem de direito e conhece bem a legislação. Não temos a greve barrada pela Constituição; temos, sim, uma interpretação que, na nossa opinião, é errada e vamos aproveitar esta ideia que foi lançada para promover uma discussão e todo o tipo de diligências que permitam à classe política consagrar um direito que para nós é elementar”, disse Paulo Santos.
As palavras do dirigente vão ao encontro de algumas das conclusões dos oradores do congresso. “Se há países mais avançados do que nós, mais democráticos do que nós e mais seguros do que nós e tem direito à greve, porque não havemos nós de atribuir esse direito?”, questionou o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia.
O jurista Jorge Machado argumentou no mesmo sentido. “Ao agente policial deve ser reconhecido o direito à greve, pese embora restrições constitucionalmente asseguradas”, disse. Nas intervenções do público, foi destacado que outras categorias na área de segurança pública possuem esse direito, como os guardas prisionais.
A experiência neerlandesa - que, ao lado da Bélgica, é um dos raros países da União Europeia (UE) onde este direito é claro - foi também destaque no congresso, com intervenção de Willy Valckk, dirigente sindical dos Países Baixos. A greve é permitida, desde que exista uma justificação, estejam esgotadas as negociações e que seja dado um pré-aviso atempadamente.
“A greve é o último recurso, é o último remédio, só se de facto for completamente impossível chegar a um acordo se vai fazer greve”, argumentou Willy Valckk. Em Espanha, Itália e França, por exemplo, os polícias não podem fazer greve.
Apesar de no primeiro dia do congresso o tema ter sido a polícia de proximidade, o direito à greve foi referido na intervenção de César Nogueira, presidente da Associação dos Profissionais da Guarda.
“Dizer-se que o direito à greve nas polícias ou mesmo o direito ao sindicalismo no caso dza GNR poderia afetar a coesão e disciplina das instituições é o equivalente a passar um atestado de irresponsabilidade aos milhares de homens e mulheres que garantem a paz pública todos os dias, mas que alguns entendem que, com mais direitos, comportar-se-iam como se crianças fossem”, argumentou.
Após saber do recuo, da ministra, César Nogueira disse ter “estranhado” a abertura para uma discussão, mas que talvez a ministra conseguisse convencer o Governo. “Afinal não”, desabafou.