Imigrantes
19 abril 2024 às 07h47
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AIMA deixa dois menores imigrantes desacompanhados na rua

Tradutora e advogada afirmam que, durante o atendimento, foi assegurado que iriam para um centro de acolhimento.

Dois menores desacompanhados foram deixados na rua em Lisboa, ontem, após entrevista conduzida pela Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA). De acordo com a legislação, todos os requerentes de asilo menores de 18 anos precisam de receber acolhimento. Em causa estão dois menores senegaleses de 15 e 16  anos (o aniversário do mais velho foi há 3 dias), que fugiram do país por conta da instabilidade política. 

A advogada Erica Acosta, que atua voluntariamente em favor dos refugiados, afirma que “nunca havia visto nada igual”. A profissional relata ter acompanhado a entrevista na tenda montada pelas autoridades no largo da Igreja dos Anjos, em Arroios. “Foi dada a garantia de que eles teriam um acolhimento hoje [ontem] e nós até nos colocamos à disposição para ir acompanhar, porque eles estão muito traumatizados”, conta ao DN. No entanto, às 17h, as técnicas foram embora e deixaram os menores sem resposta e sem acolhimento.

Segundo Erica, estavam na hora do atendimento duas técnicas da AIMA, duas da Santa Casa de Misericórdia e a tradutora voluntária Sadjo Nanque. Sadjo foi chamada pela advogada, porque a AIMA só ofereceu uma tradutora de francês via telefone e numa linha instável que “caía a toda hora”. De acordo com Erica, o único idioma que os senegaleses dominam é o wolof, principal  língua falada no país. 

O DN já havia questionado a AIMA sobre a presença de tradutores na condução dos atendimentos, mas não teve resposta. As voluntárias afirmam que é “essencial” a entrevista num idioma que o utente domine. “Vimos aqui na tenda muitos casos de entrevistas sem tradutores, eles não entendem e isso põe em causa as respostas  e o resultado do pedido”, explica Erica.  

Comer, dormir e estudar


Segundo o relato feito à tradutora voluntária, os jovens alegaram que ficar no Senegal não era uma opção. “Eles enfrentavam perigo lá pela violência política e arriscaram vir de barco até a Europa”, relata Sadjo.

Os jovens conheceram-se em Lisboa e estão sem abrigo no largo da igreja há cerca de dois meses, juntamente com outras dezenas de imigrantes de várias nacionalidades. “Um deles disse-me que só quer comer, dormir e estudar”, afirma a tradutora.  Os jovens ficam o dia todo sem comer, sendo a única refeição oferecida por voluntários que visitam o local todas as noites com comida. Ambos relatam estar com medo e que não querem mais ficar na rua. 

A advogada dos casos diz que os dois menores já haviam feito pedidos de asilo como se fossem adultos, “por medo” e sem acompanhamento jurídico. Agora, com assistência profissional, relataram que são menores e mostraram a certidão de nascimento, uma delas vista pelo DN. 

Em resposta ao jornal, a AIMA refere a situação da disparidade dos pedidos, nomeadamente em relação às idades, e que já haviam sido feitos dois pedidos, em janeiro e maio. A entidade também adiantou que na noite de ontem iria remeter as informações “às autoridades competentes para apuramento de eventual prática de infrações de natureza criminal”.

Sobre o acolhimento, a AIMA explica que é um procedimento assegurado pela Segurança Social, “num trabalho conjunto e articulado com várias entidades, onde se inclui a AIMA”. Numa cartilha publicada pelo antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com base na legislação ainda em vigor, pode ser solicitada uma perícia para atestar a idade em caso de dúvidas e deve ser assegurado o acolhimento durante o trâmite do processo. A mesma lei refere que menores com idade superior ou igual a 16 anos podem ficar em centros com adultos. Até ao fecho desta reportagem, voluntários no largo da igreja buscavam alternativas para que os jovens não dormissem na rua.

amanda.lima@globalmediagroup.pt

Tópicos: AIMA, Refugiados