O perigo está no uso excessivo do ecrã. Em Portugal, de acordo com dados da Ordem dos Psicólogos, 64,5% das crianças e adolescentes utilizam o smartphone como atividade de tempos livres. Mais do que ouvir música (51,8%), estar com amigos (31,9%), praticar um desporto (19,8%), ler um livro (9,7%) ou ver televisão (8,9%).
Noventa por cento das crianças e adolescentes, entre os 9 e os 17 anos, utilizam o smartphone todos os dias - mais do dobro das que usam o computador (42%). Um em cada quatro jovens utiliza as redes sociais mais de seis horas por dia. Os jovens com menos de 24 anos são os que mais utilizam as redes sociais para fugir a emoções desagradáveis - 56,1% dos jovens (18 anos) utiliza as redes sociais entre duas e cinco horas por dia.
As crianças que passam mais de três horas por dia a usar ecrãs parecem ter piores resultados em medidas de avaliação cognitiva e sentir maiores dificuldades em regular a impulsividade. Um aumento das horas passadas em frente a ecrãs, por dia, parece associado, de forma moderada a forte, a uma redução da atividade física, a uma dieta menos saudável e a um aumento do peso corporal - fatores de riscos para diversos problemas de saúde. As crianças que despendem várias horas por dia em ecrãs e sem a participação parental, parecem ter piores resultados em disciplinas de cálculo, leitura e escrita.
A Unicef tem reforçado o alerta lançado em 2017: no uso de redes sociais sem supervisão de adultos, destaca-se o risco de exposição infantil a conteúdos inapropriados, violentos, autolesivos ou suicidas, de incitação ao ódio, pornográficos, entre outros.
Um tempo de uso de ecrã superior a três horas diárias parece aumentar a gravidade de sintomas depressivos - sobretudo em raparigas. Outros estudos indicam que a utilização excessiva se associa a uma pior qualidade do sono e a problemas do comportamento alimentar.
“É importante abraçarmos a tecnologia sem esquecer o abraço humano. A tecnologia veio para ficar, mas não para substituir o amor e a relação”, diz ao DN Ivone Patrão. Para a psicoterapeuta, a supervisão parental é a chave mediadora da relação das crianças e jovens com a tecnologia. “Somos nós adultos que damos a tecnologia às crianças, então estamos todos a tempo de lhes oferecer um treino diário de regulação do comportamento digital, pelo modelo e pelo juízo crítico face a situações de risco - estas podem sempre acontecer, mas com suporte relacional são mais fáceis de lidar e evitar no futuro”.
Os efeitos do uso de ecrãs e tecnologias digitais no desenvolvimento das crianças em idade escolar encontram-se em investigação e debate. A literatura científica indica que um uso moderado - uma a duas horas por dia -, parece associar-se a benefícios cognitivos e psicossociais. “Os benefícios parecem existir sobretudo quando as tecnologias digitais são utilizadas com propósitos pedagógicos e quando, na utilização recreativa, existe envolvimento parental”, dizem os especialistas. Em crianças em idade escolar, o uso moderado de ecrãs, quando utilizados de forma recreativa e adaptada à idade, está associado a “um menor risco de experienciar sintomas depressivos, comparativamente a crianças que nunca usam ecrãs”.
E mesmo os videojogos - vilão maior - têm vantagens: proporcionando relações mais diversas e inclusivas relativamente ao género do que as relações offline, promovendo capacidades de orientação espacial e raciocínio lógico, desenvolvendo atitudes e comportamentos de cooperação e entreajuda, contribuindo para a aquisição de vocabulário e aprendizagem de uma segunda língua. Há, porém, uma palavra de ordem, que se aplica, de resto, a todos os escalões etários - moderação.
O início da adolescência (entre os 11 e os 13 anos para as raparigas, e os 13 e os 15 para os rapazes) parece ser o período mais vulnerável à influência das tecnologias digitais, sobretudo das redes sociais. Também neste escalão, o uso moderado dos ecrãs parece associar-se a benefícios para o funcionamento psicossocial. De facto, se o uso excessivo pode provocar efeitos negativos, a restrição completa pode associar-se a sentimentos de exclusão social.
Investigações indicam que as tecnologias digitais - nomeadamente as redes sociais e os videojogos colaborativos - podem facilitar a comunicação e a proximidade entre adolescentes, ajudar à resolução de problemas, estimular a criatividade. Cerca de 10-15% dos/as adolescentes experienciam, em determinados momentos, efeitos nefastos do uso das redes sociais; entre 10-15% experienciam efeitos benéficos. “Provavelmente, para a maioria dos/as jovens, e na maior parte do tempo, as redes sociais não têm um impacto significativo, nem benéfico nem nefasto, no seu bem-estar psicológico”, diz o estudo da Ordem.