PROBLEMAS
18 abril 2024 às 07h25
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Acumulam-se os constrangimentos a imigrantes por incumprimento da AIMA

Estudantes que chegaram com visto em agosto de 2023 ainda não conseguiram agendamento e outros estão à espera do documento renovado. Ninguém consegue respostas por parte da agência responsável.

301 dias. Thamy Luíza Baruch Azevedo vive em Portugal com visto de estudante há exatamente 301 dias e, até ao momento, não conseguiu um agendamento para obter o título de residência e, segundo a imigrante, ser atendida ao telefone é uma tarefa quase impossível. “Tento realizar o agendamento desde que cheguei, já me aconteceu passar o dia todo usando dois celulares ao mesmo tempo na tentativa de ligar, literalmente das 08:00 às 20:00”, relata a estudante de Mestrado em Direito de Empresas na Universidade de Lisboa. Numa das ocasiões, foram mais de 300 as ligações. Nas poucas vezes em que conseguiu ser atendida, a resposta foi: “Não há vagas, torne a ligar.”

“Eu acreditava que por fazer tudo de forma legal, pagar o visto no consulado português, seguir os trâmites legais, no mínimo teria uma condição básica que é um agendamento”, desabafa a brasileira. Sem o título de residência, a advogada não pode exercer atividades profissionais que sejam compatíveis com o estudo, como planeava. Sair do país, seja para passear ou participar de eventos académicos, ou mesmo ir e voltar do Brasil em casos de emergência, também não lhe é permitido pela falta do documento.  “O imigrante investe dinheiro no país, entra de forma regular e não tem o mínimo dos seus direitos garantidos”, diz.

Além destes constrangimentos, Thamy corre o risco de perder a oportunidade de participar no programa Erasmus, para o qual foi aprovada. “Me sinto completamente impotente e frustrada, como se você ficasse travada, impossibilitada de dar os próximos passos em sua vida”, resume.

Por lei, quem chega a Portugal com o visto de estudante ou de procura de trabalho, por exemplo, já deveria aterrar com uma marcação disponibilizada, como forma de agilizar os trâmites e promover a imigração regulada. Na prática, não é o que ocorre há meses, conforme vários casos relatados ao DN. Sem um centro de contacto telefónico e um site onde seja possível agendar online, os imigrantes não conseguem nenhuma resposta por parte da Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA). 

Há também quem tenha tido a sorte de conseguir um agendamento, mas até hoje está à espera do título de residência. É o caso da também advogada Tonya Lucena, de 28 anos, que fez a entrevista no dia 23 de outubro, em Coimbra. Já passam mais de 120 dias úteis, o que ultrapassa o prazo legal para envio do cartão. “Apesar de compreender a grande quantidade de trabalho que a AIMA possui, jamais imaginei que passaria por essa situação. Desde antes da minha chegada, fiz tudo que me competia com organização para viver a melhor experiência possível”, explica a estudante.

Os constrangimentos não somente no que diz respeito a não poder participar de eventos e reuniões profissionais fora do território. Sem o documento, Tonya teve o pedido de número de utente negado. A estudante diz sentir-se “extremamente lesada, insegura e limitada, num momento que é tão especial pra nós”, ao referir-se ao facto de de ter a oportunidade de estudar em Portugal. 

Os dois casos relatados não são únicos, sabe o DN. Até agora, são pelo menos 15. O Núcleo de Estudo Luso-Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (NELB) lançou um inquérito, aberto aos estudantes internacionais de qualquer curso e país lusófono. O tema preocupa a comunidade académica também pelo futuro, porque está a chegar o período de matrículas em outras universidades europeias. Sem o título de residência, os estudantes não podem usufruir do regime de mobilidade da União Europeia (UE), o que evita a necessidade da solicitar e pagar por outro visto de estudo para o país em que pretendem prosseguir o mestrado ou doutoramento.  

Ao DN, a AIMA respondeu que “está a negociar protocolos com instituições de ensino superior, tendo em vista a agilização de procedimentos respeitantes a estudantes universitários.

Terceiro protesto

Hoje, imigrantes realizam um novo protesto em frente à sede da AIMA em Lisboa, às 10:00. Segundo o grupo, a ação foi convocada pelo incumprimento do prazo dado pela agência para o envio dos títulos de residências atrasados. A promessa tinha sido feita aos estrangeiros há  um mês, quando realizaram um protesto no mesmo local. Antes, a mesma iniciativa havia sido realizada em Portimão, no Algarve, com igual reivindicação. Ao DN, a AIMA diz que “estão resolvidas as situações que eram passíveis de resolução” referentes ao protesto do dia 18, informação negada pelos imigrantes.

Os porta-vozes do grupo também relatam que a manifestação vai marcar a indignação por não haver reagrupamento familiar para adultos sem filhos e crianças com menos de cinco anos, além de não conseguirem contato com a AIMA, seja por telefone ou e-mail. Nestes protestos, a maior parte dos participantes é de origem indostânica. Como o DN relatou no momento da ação anterior, há casos de imigrantes que não puderam ir a funerais de familiares e outros com o contrato de trabalho em risco de não ser renovado pela falta do título de residência.

No Porto, um grupo de brasileiros também protestou a 28 de março, perante a impossibilidade de renovação dos documentos. A advogada Priscila Correa levou alguns dos casos mais urgentes à direção do balcão, como de mães, chefes de família, demitidas por não terem o título válido. Até agora, não teve resposta e outras demissões já ocorreram desde então. Sobre o assunto, a AIMA não deu esclarecimentos ao DN. O jornal tentou buscar informações do Ministério da Presidência, com a tutela das migrações, mas não teve resposta até o fecho desta edição. 

 amanda.lima@globalmediagroup.pt