Montenegro: as viagens ao Euro 2016 e os cheques “martelados”
Quando era líder parlamentar do PSD, o atual presidente do partido e candidato a primeiro-ministro foi investigado por suspeita da prática do crime de recebimento indevido de vantagem, relacionado com ofertas de viagens e estadas para os jogos do Euro 2016. Ao contrário do que aconteceu no Processo Galpgate - no qual estava em causa esse tipo de ofertas a governantes do PS, os quais acabariam acusados -, o inquérito sobre a conduta de Montenegro foi arquivado pelo Ministério Público (MP).
Porém, o processo, ao qual o DN teve acesso, revela contradições entre as suas declarações e o que foi demonstrado pelos investigadores. E dá como assente que o deputado, perante a notícia das ofertas (no Observador, a 4 de agosto de 2016), passou cheques com datas muito anteriores.
Confrontado pelo DN, o líder social-democrata, que chegou também a ser suspeito de falsificação de documento, frisa que o juízo do MP “foi inequívoco, no sentido de afastar qualquer indício da prática de crime”, e que, “do ponto de vista ético, também é inequívoco não haver nada a apontar, pelo que não se vislumbra qualquer interesse em criar ruído público sobre o tema” (ver perguntas e respostas completas no final do texto).
É, porém, inequívoco que as suas declarações em sede de inquérito contradizem o que tinha afirmado publicamente. Assim, à SIC, em julho de 2017, o então presidente da bancada disse: “Fui assistir a jogos do Euro 2016 a expensas próprias e, portanto, estou muito à vontade com isso.” E reforçou: “Paguei as minhas viagens na altura em que as fiz.”
Mas na inquirição, ocorrida em 5 de julho de 2018, quando foi constituído arguido, viria a admitir que colocou nos cheques usados para pagar as viagens “datas de emissão anteriores à real”, asseverando que “não pretendia com isso encobrir qualquer facto”, mas apenas “para facilitar a associação de cada cheque ao pagamento de determinada viagem” e que “sentiu essa necessidade por saber que a situação poderia vir a ser objeto de intenso escrutínio dos meios de comunicação social e para, dessa forma, tentar evitar interpretações/leituras mal-intencionadas da leitura de tais documentos”.
Acresce que os relatórios da investigação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, num inquérito aberto com base numa denúncia anónima, atestam que Luís Montenegro viajou e assistiu a jogos do Euro 2016 a expensas da Olivedesportos, pagou as despesas depois de a situação ter sido noticiada e colocou nos cheques a data dos referidos jogos - dois dos quais haviam ocorrido mais de um mês antes.
Suspeitas iguais, decisão diferente
Este inquérito, como referido, acabou arquivado em julho de 2021, num despacho assinado pela procuradora Maria Isabel Santos - a mesma magistrada que arquivou o processo relacionado com a eventual prática de um crime de abuso de poder pela funcionária que atribuiu manualmente o processo da Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre.
Recorde-se que, num processo idêntico a envolver convites e viagens para o Euro 2016 e que decorreu em paralelo com o de Montenegro - ficou conhecido como Galpgate -, o mesmo DIAP de Lisboa optou por acusar 18 arguidos, convidados e funcionários da Galp.
Os visados principais foram três secretários de Estado do governo PS, que se demitiram de funções, além de autarcas, membros de gabinetes (entre os quais Vítor Escária, o ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro arguido e um dos detidos na recente Operação Influencer) e outros titulares de cargos públicos.
Só não chegaram a julgamento porque o MP concordou com uma suspensão provisória do processo e os arguidos acordaram o pagamento de uma espécie de multa.
Outro entendimento teve o MP no inquérito que envolveu Luís Montenegro, no qual, por coincidência, esteve envolvido o mesmo procurador que deduziu a acusação do Galpgate, Pedro Roque.
Neste processo foram investigadas suspeitas de dois crimes: o de recebimento indevido de vantagem (que pune com “pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias” os funcionários ou titulares de cargos políticos que aceitarem “vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida”) e o de falsificação de documento (por causa de as datas dos cheques não corresponderem ao dia em que fora passados).
Luís Montenegro sempre negou que as deslocações tivessem ocorrido a expensas da Olivedesportos e os procuradores consideraram legítimas as suas justificações, corroboradas por Joaquim Oliveira, dirigente da empresa, segundo as quais o pagamento das viagens pelo deputado esteve sempre previsto.
O DIAP deixou cair os eventuais ilícitos criminais, valorizando a “amizade de longa data” entre ambos. De referir que do crime de recebimento indevido de vantagem estão excluídas “condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”.
Viagens pagas confirmadas
No despacho de arquivamento, de 14 de julho de 2021, são descritos os “factos com eventual relevo criminal indiciados nos autos […] dados como assentes”. Os mais relevantes, os de 2016, quando Montenegro assistiu a dois jogos do Euro 2016 a convite da Olivedesportos, na pessoa de Joaquim Oliveira, e um de 2015, quando assistiu em Munique ao jogo Bayern-FC Porto, acompanhado da sua esposa, a convite de Joaquim Oliveira, o qual suportou na íntegra as despesas com a deslocação de ambos.
No entanto, para o MP, quanto ao Euro 2016, “não se logrou recolher elementos probatórios que permitam afirmar, com a certeza e segurança exigíveis, que foram oferta da Olivedesportos e apenas num momento posterior, após denúncia, pagos pelos visados”.
Isto apesar de as únicas testemunhas a declararem que as viagens eram para ser pagas por Luís Montenegro serem o próprio e o amigo Joaquim Oliveira, havendo até prova documental em contrário.
Os inspetores da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ), que coadjuvou nesta fase o MP, confirmaram que na lista de convidados “constante do e-mail datado de 9 de julho de 2016”, “relativo à final do Euro 2016, verifica-se que da mesma constam os nomes de Luís Montenegro, mulher e filhos e Hugo Soares, sendo que relativamente a todos está assinalado que o responsável pelo pagamento é a Olivedesportos”.
De facto, só num e-mail da Cosmos, datado de 10 de agosto de 2016 (seis dias depois de a notícia sobre a oferta das viagens a Montenegro ter sido publicada pelo Observador), é que surge uma nova “listagem de nomes das pessoas que integraram a comitiva em cada jogo, e onde consta, à frente dos nomes de Luís Montenegro e família, Luís Campos Ferreira e Hugo Soares, que os valores a faturar serão a pagar diretamente pelos próprios”.
Ainda assim, notou a UNCC, os valores imputados “são apenas os relativos ao voo e ao alojamento. Ficaram de fora as refeições e o transporte em minibus ou minivan, consoante o número de participantes”.
Quanto ao facto de serviços prestados em junho e julho só terem sido faturados em agosto, é o próprio diretor financeiro da Cosmos, Nuno Nogueira, a testemunhar que só nessa altura “a Olivedesportos terá dado indicações para que os serviços fossem faturados diretamente a essas pessoas”.
Ainda assim, o MP considerou que “tal referência inicial de que o responsável pelo pagamento era a Olivedesportos poderá ser interpretada no sentido de que tal empresa se responsabilizava pelo pagamento das viagens junto da Cosmos, sem prejuízo de o seu pagamento vir a ser efetuado posteriormente pelos beneficiários das mesmas”.
Também cruzando os factos registados no processo arquivado, consultado pelo DN, com declarações públicas que foram sendo feitas por Montenegro e até com outros testemunhos ouvidos pelo MP, sobressaem contradições.
“Paguei as viagens na altura em que as fiz”
A mais evidente é, como já referido, a que resulta do confronto entre a sua declaração feita à SIC, em julho de 2017 - “Paguei as minhas viagens na altura em que as fiz” -, e o que está nos autos do DIAP.
Aí fica claro que o pagamento foi feito a seguir à notícia do Observador e que o MP considera que o fez “com vista a poder demonstrar, publicamente e em sede de eventual investigação criminal, que não tinha recebido qualquer oferta”, tendo por esse motivo decidido “reembolsar a Olivedesportos do custo dos bilhetes e voos suportados por esta empresa”.
Com esse objetivo, prossegue o MP, Luís Montenegro “contactou Joaquim Oliveira e Rolando Oliveira (filho), solicitando-lhes que a Olivedesportos desse instruções à Cosmos (agência de viagens da mesma empresa) para proceder à emissão urgente das correspondentes faturas”.
A referida agência emitiu então duas faturas, uma com a data de 5 de agosto de 2016 (um dia depois da notícia), “em nome de Luís Montenegro, no valor de 4260 euros e referente às viagens de ida e volta para assistir aos jogos de 25 de junho de 2016 (uma viagem), de 30 de junho de 2016 (uma viagem), de 6 de julho de 2016 (uma viagem) e de 10 de julho de 2016 (a final do Euro, duas viagens)”.
De acordo com a descrição de um dos procuradores que interveio inicialmente neste inquérito, Hugo Neto - outra coincidência, pois é um dos magistrados titulares do Processo Influencer -, nesse dia 5 de agosto de 2016 Montenegro “preencheu e assinou” os cheques e “neles apôs” as datas, não desse dia, mas dos jogos a que assistira: 26 e 30 de junho e 6 e 10 de julho.
“No dia 11 de agosto de 2016, Luís Montenegro fez chegar a Rolando Oliveira” os cheques “para pagamento da fatura da Cosmos. Ainda nesse dia, Rolando Oliveira entregou os referidos cheques” a Nuno Nogueira, “diretor financeiro da Cosmos, que os apresentou a pagamento em instituição bancária”, lê-se no documento. Em declarações no inquérito, este responsável da Cosmos certificou que “o meio mais comum de pagamento é a transferência bancária, sendo residuais os cheques”.
Nesta primeira fase da investigação, entendeu o MP que Luís Montenegro sabia que, “na qualidade de deputado, lhe estavam vedadas quaisquer ofertas de entidades privadas, uma vez que o seu recebimento poderia pôr em causa a transparência, equidistância, isenção e objetividade com que deveria desempenhar as suas funções”.
Considerava ainda que, ao “apor nos cheques datas que bem sabia não corresponderem à data da sua efetiva emissão”, o fez “com o propósito, concretizado […] de modo a permitir-lhe afirmar perante terceiros que não tinha recebido quaisquer ofertas da Olivedesportos e que, inclusivamente, já tinha procedido ao pagamento do custo das viagens e dos voos em momento anterior ao da divulgação pública da sua deslocação a jogos do Euro 2016”.
Entendimentos diferentes
Uma conduta que, é escrito, ainda “punha em causa a autenticidade e confiança que merecem os cheques, enquanto instrumentos de pagamento e de registo de operações bancárias”.
Numa das inquirições a funcionários da agência, os inspetores da UNCC questionaram mesmo se não sabiam que, pela lei, os bancos podem recusar os cheques com datas com mais de oito dias e que, em caso de não haver provisão, estão impedidos de fazer queixa-crime, ao que estes responderam que desconheciam, o que causou estranheza.
Mas para a procuradora responsável pelo arquivamento, “o facto de os cheques terem sido preenchidos com data anterior à da respetiva entrega também não comprova que tal pagamento tenha sido efetuado, como foi, apenas num momento posterior, mas com as datas correspondentes às dos jogos (26 de junho, 30 de junho, 6 de julho e 10 de julho de 2016), para simular que tal viagem não tinha sido efetuada a convite e a expensas da Olivedesportos e que desde o início os respetivos custos foram suportados pelos mesmos”.
Com efeito, para esta procuradora “é aceitável o argumento dos arguidos de que terão feito coincidir as datas dos referidos cheques com as dos respetivos jogos para, face às notícias veiculadas, ser mais fácil correlacionar cada pagamento com a respetiva viagem”.
Já quanto à viagem a Munique, para ver o jogo Bayern-FC Porto, é escrito no despacho de arquivamento que Luís Montenegro afirmou ter assistido ao mesmo a convite do FCP e do seu presidente, Jorge Nuno Pinto da Costa, com o qual tinha “uma relação de afinidade desde há muitos anos, por ter sido autarca em Espinho e membro da Assembleia Municipal do Porto”, e não de Joaquim Oliveira.
“Não é, porém, o que resulta dos e-mails juntos aos autos nem das declarações testemunhais produzidas”, certifica a procuradora Maria Isabel Santos, confirmando outra contradição no próprio despacho de arquivamento.
Relação de confiança e “pouca rede de telemóvel”
Na sua inquirição, o líder do PSD negou todas as imputações, garantindo que tinha sempre tratado das viagens através da Cosmos e que não as pagou “na ocasião nem antes de as realizar. Pagaria posteriormente, gozando da relação de confiança que já mantinha com o Sr. Joaquim Oliveira e com a Cosmos”.
Que tinha sido “surpreendido com a notícia do Observador” e que, quando fez o comunicado, com Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, esclarecendo que tinham feito as viagens, não a convite de terceiros, mas a expensas próprias”, ainda “não tinha feito o pagamento”.
Informou que “quando se apercebeu de que a fatura da Cosmos era posterior à data da primeira notícia, contactou a empresa, que lhe explicou que as campanhas em causa são organizadas em cima da hora, conforme as fases do campeonato, e que tal se deveu ao acumular de trabalho por parte da Cosmos, sendo que muitas outras faturas foram emitidas em data posterior a 5 de agosto”. No processo, o DN não encontrou diligências que confirmem esta justificação.
No despacho de arquivamento é concluído que, “não obstante Luís Montenegro ter afirmado, em sede de declarações, ter sido sempre ele a tratar das viagens junto da Cosmos, facto que foi reiterado por Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, tais afirmações são contrariadas pela prova documental recolhida”, a qual dá como “assente que foi sempre a Olivedesportos a tratar das reservas relativas às viagens”.
Da prova produzida apurou-se ainda que “tais viagens incluíam as passagens aéreas, alojamento, bilhetes para jogos e refeições”.
Montenegro negou também “qualquer contacto com a Cosmos para emissão urgente e imediata da fatura, sendo que a mesma não foi emitida por sua influência, tanto mais que se encontrava numa zona do país com pouca rede de telemóvel”. Como mencionado no início deste texto, admitiu que as datas que colocou não eram as do dia, receando “vir a ser objeto de intenso escrutínio dos meios de comunicação social”.
Descartada influência na lei do jogo
Argumentos tidos em conta pela magistrada quando arquivou o inquérito, ao enquadrar as justificações do atual presidente do PSD no domínio pessoal. Maria Isabel Santos sublinha que “da prova testemunhal realizada, bem como da documentação apreendida, logrou apurar-se a existência entre Joaquim Oliveira, Luís Montenegro, Luís Campos Ferreira e Hugo Soares de uma relação de amizade que já vinha de há vários anos e se mantém”.
Entendeu a magistrada que “a lei não põe qualquer entrave a que os senhores deputados continuem a exercer outras funções como profissionais liberais, auferindo por isso rendimentos”, embora, “do ponto de vista ético e deontológico, tais relacionamentos, quer pessoais quer profissionais, devam decorrer de forma a salvaguardar a equidistância e transparência da atuação dos senhores deputados, de forma que possa ficar assegurada a isenção dos mesmos em todas as decisões tomadas em representação dos cidadãos eleitores”.
Assim, escreve, “todos os atos praticados no âmbito de tais relações, pessoais ou profissionais, não assumem natureza criminal, designadamente pagamentos de serviços realizados no âmbito de serviços de advocacia prestados e ofertas realizadas no âmbito de relações de amizade, uma vez que os deputados da Assembleia da República não estão impedidos de exercer outras atividades profissionais nem, como é obvio, manter relações de amizade. Têm é que se assegurar de que tais relações não influem nas decisões por si tomadas.”
Na sua interpretação, “nada nos permite afirmar que Joaquim Oliveira fez tais ofertas a Luís Montenegro em virtude do exercício das funções que o mesmo exercia à data - deputado da Assembleia da República - e por causa dessas mesmas funções, tendo em vista a obtenção de vantagens futuras ou criar um “clima de simpatia” que lhe permitisse ficar numa situação de vantagem que o pudesse vir a beneficiar no futuro.
Na verdade, aquilo que resulta dos autos é que Joaquim Oliveira e a sua família tinham uma relação próxima com Luís Montenegro e a sua família, sendo visitas de casa e participando em diversos eventos e atividades organizadas por aquele. [...] Tais condutas mostram-se, assim, socialmente adequadas, e naquele caso concreto em conformidade com os usos e costumes, atendendo à atividade desenvolvida por Joaquim Oliveira e à facilidade de acesso por parte do mesmo a eventos daquela natureza”.
Neste inquérito foram ainda investigadas suspeitas relativas à participação de Luís Campos Ferreira, Luís Montenegro e Hugo Soares na lei do jogo, a qual interessava a Joaquim Oliveira, mas, segundo o despacho de arquivamento, “não se logrou recolher qualquer prova, quer documental quer testemunhal, de onde resulte que os mesmos tenham tido qualquer intervenção especial na elaboração e aprovação de tal diploma legal, sendo que do relatório das audições da comissão interministerial de acompanhamento do jogo online com identificação dos membros presentes em cada audição não resulta que, em momento algum, aqueles integrassem a mesma”.
Entendeu-se, assim, que “não se mostra preenchido o tipo, quer objetivo quer subjetivo, do crime de recebimento indevido de vantagem, porquanto: no caso em apreço, verifica-se que os convites endereçados por Joaquim Oliveira a Luís Montenegro ocorreram num contexto de amizade próxima que vem já desde há muitos anos, não se reportando às funções que o mesmo exercia à data como deputado”.
Quanto ao alegado crime de falsificação de documento, foi entendido pelo DIAP que, “no caso em apreço, as datas apostas nos cheques correspondem à vontade dos emitentes e dos aceitantes de tais títulos de crédito, que os aceitaram nesses termos. […] de onde decorre, com relevância para os autos, que ao aceitar tais cheques com datas muito anteriores à da entrega a agência de viagens Cosmos apenas aceitou o risco de ver o respetivo pagamento ser recusado por já se mostrar ultrapassado o prazo de oito dias previsto na lei, o que é perfeitamente legal e admissível nas relações comerciais que a Lei Uniforme das Letras, Livranças e Cheques visa regular”.
A Resposta de Luís Montenegro
No inquérito em causa, como em qualquer outro, houve uma investigação com vista a perceber se existiam indícios sustentados da prática de ilícitos criminais. Nos inquéritos não há uma decisão judicial nem contraditório pleno que permita concluir sobre “factos provados”.
São recolhidos e analisados elementos com o intuito de verificar se há indícios suficientes e sustentados para uma acusação. Ora, no caso vertente esse juízo foi inequívoco no sentido de afastar qualquer indício da prática de crime.
Do ponto de vista ético, também é inequívoco não haver nada a apontar, pelo que não se vislumbra qualquer interesse em criar ruído público sobre o tema. O interesse público invocado pela senhora jornalista neste contexto, na nossa opinião, para fazer renascer um processo arquivado em vésperas de eleições, é uma justificação abusiva.
É que o interesse público tem limites face às reais consequências (e, por vezes, objetivos) que a sua invocação genérica acarreta e muitas vezes esconde precisamente a prossecução de interesses específicos e particulares. É o que entendemos que estas perguntas significam.
Temos esperança de que a senhora jornalista e o jornal em causa reavaliem a sua intenção. A imprensa livre e transparente também é isso.
As perguntas do DN
1- De acordo com a prova recolhida, a fatura emitida pela Cosmos em nome de Luís Montenegro, no valor de 4 260 euros, com três parcelas de 790, 820, 850 e 1800 euros, foi emitida a 5 de agosto e liquidada a 6 de agosto de 2016. Esta operação foi efetuada depois de ter sido noticiado pelo Observador, a 4 de agosto, que três deputados do PSD tinham viajado, ficado alojados e visto jogos a convite e a expensas da Olivedesportos, empresa responsável pelo pagamento à agência de viagens Cosmos.
Segundo o MP, “da listagem de convidados datada de 9 de julho de 2016 consta que a responsável pelo pagamento das viagens de Luís Montenegro, Carla Montenegro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira é a Olivedesportos, e apenas em e-mail datado de 10 de agosto de 2016, posterior à divulgação pela comunicação social das viagens de tais deputados para assistir a jogos do Euro 2016 a expensas da Olivedesportos, foram emitidas listagem com os valores a faturar, imputando agora o referido pagamento aos próprios beneficiários”.
De acordo ainda com os autos, os cheques foram passados com a “data anterior à da respetiva entrega”, designadamente com as datas dos jogos (26 de junho, 30 de junho, 6 de julho e 10 de julho de 2016), considerando o MP que isto não prova que “tal pagamento tenha sido efetuado, como foi, apenas num momento posterior [...] para simular que tal viagem não tinha sido efetuada a convite e a expensas da Olivedesportos e que desde o início os respetivos custos foram suportados pelos mesmos”.
Além disso, segundo prova testemunhal do diretor financeiro da Cosmos, só nesta data a Olivedesportos pediu que os serviços fossem faturados diretamente ao Dr. Luís Montenegro.
2- Sendo assim, porque não disse logo na altura que tinha passado os cheques nas mencionadas datas, depois de ter pedido que a fatura fosse emitida a seguir à notícia divulgada ?
3- Recordamos que, numa entrevista à SIC, disse: “Paguei as minhas viagens na altura em que as fiz.” Porque disse isto?
4- Nessa entrevista também mostrou uma fatura, tendo-se recusado a mostrar a data? Porquê? Porque a data era posterior à notícia?
5- Sobre as viagens aos jogos da Liga dos Campeões, em 2015, foi concluído neste inquérito que assistiu em Munique ao jogo do Futebol Clube do Porto com o Bayern, a convite e expensas da Olivedesportos. Sobre esta viagem o Dr. Luís Montenegro tinha afirmado ao MP “ter assistido ao mesmo a convite do FCP e do seu Presidente, Jorge Nuno Pinto da Costa, embora admita que a organização da viagem tenha passado por Joaquim Oliveira”.
Não é, porém, escreve o MP, “o que resulta dos e-mails juntos aos autos nem das declarações testemunhais produzidas”. Tal convite englobou o bilhete para o jogo, as passagens aéreas e a estada em hotel.
“Resulta assim suficientemente indiciado que Luís Montenegro terá assistido em Munique ao jogo Bayern-FCP, acompanhado da sua esposa, Carla Montenegro, a convite de Joaquim Oliveira, e que este suportou na íntegra as despesas com a deslocação de ambos”.
Como explica esta situação?
6- O MP entendeu que não havia nestes factos matéria com relevância criminal, tendo em conta que, de acordo com vária prova testemunhal, existia “entre Joaquim Oliveira, Luís Montenegro, Luís Campos Ferreira e Hugo Soares uma relação de amizade que já vinha de há vários anos e se mantém (conseguimos encontrar contactos relativos ao ano de 2009) e também profissional, sendo que a lei não põe qualquer entrave a que os senhores deputados continuem a exercer outras funções como profissionais liberais, auferindo por isso rendimentos”.
Nota o MP que, “do ponto de vista ético e deontológico, tais relacionamentos, quer pessoais quer profissionais, devem decorrer de forma a salvaguardar a equidistância e transparência da atuação dos senhores deputados, de forma que possa ficar assegurada a isenção dos mesmos em todas as decisões tomadas em representação dos cidadãos eleitores.
Porém, todos os atos praticados no âmbito de tais relações, pessoais ou profissionais, não assumem natureza criminal, designadamente pagamentos de serviços realizados no âmbito de serviços de advocacia prestados e ofertas realizadas no âmbito de relações de amizade, uma vez que os deputados da Assembleia da República não estão impedidos de exercer outras atividades profissionais nem, como é óbvio, manter relações de amizade. Têm é que assegurar que tais relações não influem nas decisões por si tomadas”.
Considera, como político candidato a primeiro-ministro, que as relações de “amizade” podem justificar a aceitação destes convites?
7- Qual seria, no seu entender, a atitude eticamente adequada?
8- Admite que, tendo em conta que esta viagem foi paga pela Olivedesportos, pode suscitar a dúvida de que também as do Euro 2016 o foram, mas que tentou corrigir a situação pagando posteriormente?
9- Quer retificar alguma declaração que tenha feito sobre este assunto?